Opinião

Outra consideração

I. Eu não sou dos que acham que as palavras não têm importância em política. Quem tem responsabilidades políticas ou exerce funções relacionadas com a atividade sabe o cuidado que se coloca e o tempo que se dedica à escolha de um adjetivo, à seleção de um verbo ou na definição do tom de um determinado texto. Tudo isso porque as palavras não só designam como constroem. E o discurso, nesse sentido, não tem de ser o oco cumprimento de uma obrigação, mas pode ser (e deve ser) o construir de um futuro de ação. É por isso que há quem olhe para um Programa de Governo e veja apenas palavras, daquelas que o vento leva, e há quem, no mesmo lugar, veja escolha, compromisso e atitude. Eu inscrevo-me neste segundo grupo, no daqueles que perceberam no Programa de Governo do PS, recentemente aprovado, uma nova atitude e um novo compromisso para com as Regiões Autónomas – os outros apenas evitaram assumir o que perceberam, empurrando para as provas a dar o incómodo que sentiram ao ler as palavras escritas. II. Convém recordar que nós vínhamos de um Governo da República que considerava as autonomias regionais basicamente como circunscrições geográficas da austeridade. De cada vez (e não foram assim tantas) que Passos Coelho e restante equipa falavam das Regiões Autónomas era para relembrar que não estavam isentas de contribuir para o esforço de contenção orçamental e financeiro, ou, por outras palavras, que não era por serem autónomas que não sofreriam a mesma austeridade do restante território nacional. Quem assim pensava, como é óbvio, nada poderia resolver de substancial relativamente aos pendentes com a República. O desinvestimento nos serviços do Estado na Região agudizou-se, levando mesmo ao encerramento de repartições de Finanças e instâncias judiciais e à precarização de esquadras policiais e meios de intervenção. As transferências do Orçamento de Estado, cortadas aquando da última revisão da Lei das Finanças Regionais, não foram repostas. O serviço público de Media, a Universidade dos Açores e o relacionamento entre os serviços Regional e Nacional de Saúde foram estudados e estudados e tornados a estudar, para que nada se resolvesse. E até o inquietante dossiê da Base das Lajes mereceu do Governo da República da Coligação um tratamento ora de espetador ora de lastro, mas nunca de locomotiva, deixando ao Presidente do Governo Regional a difícil tarefa de nunca esmorecer, nunca desistir e nunca vacilar (com sucesso, felizmente). III. Perante este precedente, ouvir António Costa dizer, logo de entrada, que se pretende reunir com o Governo Regional com a maior urgência possível e que conhece os problemas pendentes e reconhece as aspirações das autonomias regionais, não resolve mas indica uma total inversão da atenção e cuidado posto na consideração das Regiões Autónomas, confirmado, aliás, no grau de compromisso assumido no Programa de Governo. Desde logo, na assunção da necessidade de reverter o rumo de desinvestimento e degradação dos meios para assegurar as funções de soberania do Estado. Depois, no compromisso de assumir uma pedagogia que combata o desconhecimento e a incompreensão dos vários centralismos, e ainda de chamar as Regiões Autónomas a participarem nos processos de tomada de decisão de matérias que as envolvam a nível nacional e europeu. Neste particular, é explicitamente reconhecido que, no âmbito do processo de expansão da plataforma continental, as Regiões Autónomas não devem ser consideradas concorrentes ou obstáculos, mas antes parceiros ativos e determinantes para a concretização e aproveitamento das possibilidades que se abrem porque são a razão primeira dessa projeção atlântica. O mesmo se passa com a menção declarada à integração do potencial diplomático infra-estadual no esforço do Estado, pondo cobro à perspetiva balofa de império decadente que a Coligação tinha. IV. O PSD Açores, ainda em plena fase de ressabiamento solidário com os seus companheiros da República, não quis ler, nas linhas e nas entrelinhas, o Programa do Governo do PS. Preferiu tirar da gaveta, onde descansaram nos últimos quatro anos, todas as pendências reivindicativas que julga poderem incomodar as governações socialistas, de cá e de lá. Como se não tivesse tido quatro anos para as resolver com os seus. Como se tivesse tentado, sequer. Como se o Governo da República do PS não tivesse apenas duas semanas. Como se não tivesse demonstrado já outra consideração.