Opinião

Sempre fomos e seremos solidários

Os últimos acontecimentos em torno do buraco da Madeira têm trazido, por arrasto, os Açores para as páginas dos jornais nacionais. Como já ficou bem claro, nada há de comum entre as duas regiões, a não ser o regime autonómico de que ambas beneficiam. Mas o descalabro madeirense tem servido de pretexto para algumas vozes irem levantando a lebre de se tomarem medidas cerceadoras dessa autonomia. Esse fenómeno sempre acontece quando o PSD se encontra à frente do governo da República. Ainda há bem pouco tempo, o chicote se ergueu quando o PS reivindicou para a região o imposto que vai ser cobrado sobre o subsídio de Natal. Esquecem, todavia, que esse é um direito que assiste aos açorianos. Como já foi várias vezes referido, integrar essa verba no orçamento do Estado é inconstitucional, não respeita o Estatuto Político nem a Lei das Finanças Regionais. Esta mesma leitura foi feita por unanimidade pela Assembleia Legislativa Regional e assim o entenderam também os deputados insulares socialistas na Assembleia da República, tendo para o efeito denunciado essa situação. Do lado do PSD, as opiniões têm andado divididas. Se os seus deputados na Assembleia Regional manifestaram a sua opinião favorável à permanência das verbas na região, os eleitos para a Assembleia da República não tiveram o mesmo entendimento e votaram favoravelmente a proposta do governo de Passos Coelho que arrecada a verba para os cofres do Estado. A drª Berta Cabral varia entre o sim, o não e o talvez. Outras vozes próximas do CDS e do PSD advogaram a mesma opinião de Passos Coelho/Paulo Portas, considerando que se iria abrir uma guerra desnecessária e prejudicial, acrescentando que o momento era de solidariedade e que os portugueses não iriam entender esta atitude egoísta dos açorianos. Julgo que os argumentos não colhem. Com aquela iniciativa não se pretendia abrir uma “frente de guerra”, como aconteceu em outras ocasiões do passado. Todavia, a história da autonomia está recheada de desentendimentos, na medida em que os interesses centralistas do Terreiro do Paço se chocavam com a aquisição de direitos pela sociedade açoriana. Não foi, nem é, uma luta entre açorianos e continentais, mas apenas o confronto entre perspectivas políticas antagónicas em vários aspectos. No presente, o espírito centralista voltou a reaparecer com a atitude do governo, apoiado pelos partidos da maioria. Essa poderá ser a causa do mal-estar que porventura surja, mas quem abriu as hostilidades foi o governo. A exigência, pelo Partido Socialista, do cumprimento dos direitos que assistem aos açorianos não significa quebra dos respectivos deveres. A conjuntura difícil que se vive no momento exige solidariedade e os açorianos sempre souberam estar presentes nesses momentos. Fazemos parte de um todo nacional e a retenção das receitas da sobretaxa na Região não equivale a uma rotura com esses compromissos. Não tenho quaisquer dúvidas de que os portugueses do continente saberão entendê-lo se lhes soubermos explicar devidamente as nossas razões. Não estamos a exigir mais do que nos é devido, nem a fugir aos sacrifícios do momento. Não há, pois, qualquer recusa em ser solidário, mas sim evitar que se abram precedentes que tragam confusões no futuro. A história tem-no demonstrado e mais vale prevenir do que remediar. Abrir uma brecha na muralha da autonomia, que tem sido frágil e difícil de erguer, é abrir o flanco para novas investidas centralistas. Causa, pois, algum espanto ver pessoas que noutras conjunturas se mostraram indefectíveis defensoras dos nossos direitos, cederem agora por razões nada convincentes, a não ser conveniências político-partidárias. Há erros que podem deitar abaixo conquistas de várias gerações. A solidariedade açoriana não pode nem deve ser posta em causa, sob qualquer pretexto. Como já foi afirmado e reconhecido, os Açores respeitaram as regras do endividamento e não transformaram as suas ilhas num queijo suíço, como o fez Alberto João, com 100 kms de túneis. É de pasmar, mas é verdade!!! Bem sei que a morfologia da Madeira é diferente, mas é um exagero. Outras obras megalómanas estão para lá ao abandono, à vista de todos, que correspondem a milhões de euros deitados ao lixo. Nos espasmos que vão dando, algumas forças políticas continuam a provocar a confusão divulgando dados incorrectos sobre as verbas transferidas para os Açores, que seriam superiores às da Madeira. João Jardim não desiste de se armar em vítima e pretende desviar as atenções da opinião pública, querendo arrastar os Açores para o precipício que ele escavou. Por estas e por outras diatribes a imagem da autonomia sofre embates que devem ser combatidos. Estou convencido de que um diálogo franco e aberto entre o Governo Regional açoriano e o Governo da República irá resultar numa solução que a todos dignifica, cumprindo-se a legalidade. Acima de tudo que fique claro que os açorianos não fogem aos seus deveres e a solidariedade para com o todo nacional inclui, logicamente, a solidariedade com o povo madeirense. Esta bela ilha continua a ser um jardim, mas não é o Jardim. Como diz o ditado popular: todo o peru tem o seu natal….