Chama-se “Cidadela” e o seu autor é Saint-Exupéry, conhecido escritor, entre nós, por ser o autor de “O Pequeno Príncipe”.
“Cidadela” tem prefácio e tradução de Ruy Belo, situa-se entre o romance e o ensaio filosófico e é a história da vida de um Homem, autêntico e sincero em busca das respostas possíveis entre os limites próprios e os limites dos outros e das coisas.
É também um livro sobre as cidades e os impérios que construímos dentro de nós: sobre o sofrimento e sobre a alegria, sobre o egoísmo, sobre a colaboração, sobre o amor e sobre o ciúme, sobre escrever: “Quando tu escreves ao homem, carregas um navio. Mas bem poucos navios chegam ao porto. (…); é também sobre o crescimento, sobre a morte e sobre a vida, sobre o poema e sobre a religião. É sobre o Homem e as suas coisas, na sua relação (às vezes) quase parental com os lugares comuns e as pessoas inenarráveis.
E esta sugestão de leitura vem a propósito dos tempos que vivemos. Um tempo de pessoas zangadas e revoltadas que não encontram nos políticos a resposta para os seus problemas…
Um tempo de escândalos diários, que acontecem, enquanto, quase como noutra dimensão, existem pessoas com problemas reais, de vidas reais, às quais nem sempre se tem dado a atenção devida.
Basta ligar a televisão para ver: Da Madeira, Alberto João Jardim “pede” ética na política. (O cidadão só pode rir ou chorar diante de tal “pedido angélico”).
O Primeiro – Ministro Pedro Passos Coelho orgulha-se de ter ido além do memorando da troika, mas notícias recentes dizem que o risco de Portugal falhar o défice aumentou.
O país está transformado num enredo luxuoso, cerzido por escândalos mediáticos, que tentam silenciar notícias como aquela do tribunal constitucional ter considerado inconstitucionais a suspensão dos subsídios de férias e de natal para os funcionários públicos e pensionistas.
(Nem isto motivou uma aparição de Cavaco Silva para discursar aos portugueses!)
Já não somos um país de levar a sério. Já deixamos de esperar por D. Sebastião. Ele que agora está reduzido à condição de relíquia, qual Zé Povinho que faz a este país manguitos de louça.
Amália calou-se. Eusébio é uma estrela mais apagada. Resta-nos Fátima. Vivemos encarquilhados dentro de nós próprios, cheios de ideias nas caixas de comentários das redes sociais, mas cá fora, a assistir ao definhar de um país que já nem pode ser “o que o mar não quer” (Ruy Belo, “Morte ao Meio-Dia”).
Portugal é hoje outra coisa. Uma espécie de pano a fazer de vela, uma espécie de terra a fazer de pátria; uma espécie de canudo a fazer de lente, uma espécie de coisa nenhuma.
Cobertos de poeira, vendidos aos alemães, já nem nos salvam as glórias das caravelas. Camões que obrigamos as nossas criancinhas a ler e a estudar na escola está desactualizado. Que é deles? Dos Fortes e destemidos? Estão a tirar licenciaturas de um dia na Universidade Lusófona.
Fernão Mendes Pinto não diz nada às crianças deste país e Fernando Pessoa com a “Mensagem” não lhes diz coisa nenhuma. (Que dizer aos nossos filhos sobre este nosso país?)
Escreveu Saint-Exúpery em “Cidadela”: “(…) aqueles que ouvem subtilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às manjedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.”
Haja então quem resista ao papel de ter que ser aquilo que nunca foi: escravo. E arrisque a escrever epopeias próprias por este país…