Opinião

Já demos para esse peditório!

Um condutor que circula pela autoestrada ouve na rádio a seguinte advertência: - Atenção senhores automobilistas vai um maluco a conduzir a alta velocidade em sentido contrário. Pega de imediato no telemóvel e liga para a estação: - Vocês foram mal informados. Pelas minhas contas já passaram por mim, em sentido contrário, mais de 50 malucos. Esta anedota aplica-se perfeitamente ao governo (?) de Passos Coelho. O país inteiro reclama contra o orçamento e ele continua jurando a pés juntos que está na via certa. A receita para ultrapassar o défice do ano passado falhou, mas a mesma volta a ser aplicada este ano, com o efeito recessivo que se conhece. Basta, senhor Ministro, já demos para esse peditório. O próprio FMI admitiu a falha e o governo fez ouvidos de mercador. Até agora não deu sinais de querer aproveitar a brecha para negociar com os nossos credores condições mais vantajosas. Para além da bordoada que nos atingirá pelas medidas gerais aplicadas a todo o país, a Região ficará sujeita a outras específicas que virão dificultar a gestão dos nossos recursos. As transferências do Orçamento para a Região vão sofrer um corte de 9 milhões, corte este que se enquadra na fórmula da Lei das Finanças Regionais, que contempla as mudanças no quadro populacional e a evolução do PIB da Região, que cresceu face à média nacional. Mas os Açores, apesar de as suas contas não apresentarem o descalabro da Madeira nem do Continente, ficam sujeitos a outras tesouradas bem drásticas. A subida da contribuição para a Caixa Geral de Aposentações de 15 para 20%, a pagar pela administração regional, pelas empresas públicas e pelas autarquias, subtrai aos cofres da Região 10 milhões de euros. Outra subtração volumosa relaciona-se com a redução de 15% da transferência para o Fundo Regional do Emprego, numa altura em que a instabilidade no mercado de trabalho é uma penosa realidade e este orçamento inviabiliza qualquer solução positiva. A situação agrava-se com o corte nas transferências da Segurança Social que vai atingir os 5%. Ainda no âmbito das reduções, a Universidade dos Açores também não escapou aos cortes, tal como a SATA que presta serviço público nas ligações inter-ilhas, e que vai receber menos 5 milhões do que no ano passado. Mas quando comparamos este caso com o que se passa na Madeira, esta mesma empresa, que faz a ligação de serviço público entre as duas ilhas do arquipélago, não viu cortada a indemnização compensatória. Ou seja, nos Açores, o Governo Regional suporta os custos do serviço público, enquanto na Madeira este é suportado pela República. A este critério que causa perplexidade, junta-se o fato de outras empresas de serviço público no Continente, na área dos transportes terrestres, terem aumentos de comparticipação ou reduções bem mais baixas. Uma outra medida que já vinha sendo ensaiada e que ficou plasmada neste Orçamento, relaciona-se com a saúde. A partir de agora, os doentes com residência nos Açores que utilizem o Serviço Nacional de Saúde no Continente passarão a ter as suas despesas pagas pelo Governo Regional. Esta é uma despesa variável, mas que absorve mais alguns milhões. Como se não bastasse, foi retirada à Região uma receita nela gerada. É o caso da taxa de 4% no IRS que, sendo considerada uma receita especial por alguns “especialistas”, passará diretamente para os cofres do Estado. As razões para votar contra este orçamento são mais que muitas e já têm sido analisadas por entendidos na matéria, desde a direita à extrema-esquerda. A grande maioria das opiniões converge para a fatal conclusão de que com este orçamento não conseguiremos levantar cabeça. Na discussão a efetuar na Assembleia da República, alguma coisa irá mudar. Na maioria governamental são públicas as divergências, mas a filosofia de base não sofrerá modificações. As propostas mais profundas que a oposição apresentar acabarão por ser vetadas. Os portugueses reconhecem que o tempo é de restrições e os açorianos não se recusam aos sacrifícios, desde que haja equidade e coerência. Como ela não existe, só me resta votar contra.