Opinião

Qualificar a Democracia

Os tempos conturbados que vivemos hoje são tempos em que a qualificação da democracia é um enorme imperativo. O compromisso de confiança celebrado entre eleitores e eleitos no dia do acto eleitoral deve ser intocável. Felizmente, nos Açores, o Partido Socialista assume a qualificação da democracia, a seriedade e a coerência como desígnios intocáveis do seu projeto político. Que bom seria que todos assumissem estes pressupostos como elementos centrais da sua estratégia política. Infelizmente são muitos os maus exemplos. Note-se, por exemplo, o que se passa na República. Os partidos que hoje compõem a coligação governativa diziam, antes das eleições, que não se podiam pedir mais sacrifícios aos portugueses. Na altura, autodenominaram-se os partidos da defesa dos contribuintes. Agora, são os responsáveis por uma autêntica caça ao contribuinte. São responsáveis por uma tempestade fiscal. A maior carga fiscal da história da democracia portuguesa, e que terá um impacto nefasto em muitas famílias e muitas empresas. Convém recordar, com rigor, o contexto. Portugal foi para eleições antecipadas, em 2011, porque o maior partido da oposição recusou aprovar, na Assembleia da República, o famoso PEC IV. Este programa havia merecido o consenso dos nossos parceiros europeus e tinha como objetivo proceder, de forma mais faseada, ao ajustamento da economia portuguesa sem, no entanto, recorrer à ajuda externa mantendo, por isso, um grau elevado de soberania. Na prática, o Governo da altura pretendeu, com o apoio dos parceiros europeus, seguir a estratégia política que, por exemplo, a Espanha hoje segue: evitar até ao limite o resgate financeiro internacional. O resto é conhecido. Numa coligação híbrida sem precedentes, direita e extrema-esquerda uniram-se para derrubar o governo do PS. Foram marcadas eleições e Portugal viu-se obrigado a pedir ajuda internacional. PSD e CDS participaram, antes das eleições, nas negociações com a troika e conheciam ao pormenor a situação real do país. Apesar disso, prometeram nas eleições o contrário do que pretendiam fazer. Este embuste político certamente ficará, por maus motivos, na história política portuguesa. É também, em virtude desse embuste, que hoje a democracia portuguesa está mais fragilizada e Portugal está muito pior do que estava aquando das eleições de 2011. E é também por isso que a qualificação da democracia assume particular urgência no atual momento político. Se assim não for, estão definitivamente postos em causa os mais básicos pilares do nosso regime democrático, o que poderá ter um efeito nefasto irreversível no nosso País.