I. Há, essencialmente, duas formas de travar a Autonomia. Uma – a mais explícita – é ser frontalmente contra ela, contra os seus fundamentos e propósitos, em nome de uma bolorenta e umbiguista conceção de Portugal, por preconceito ou por desconfiança. Ainda há quem o seja, mas em muito menor número e grau do que noutras eras, e quase sempre com uma camada de verniz que torna o discurso centralista consequência de uma qualquer racionalidade económica e nunca causa de um posicionamento político declarado.
A outra – a que mais me preocupa – assenta no discurso do “deixem-lá-isso-da-mão-que-já-está-bem-bom-assim”. Sem nunca se assumir abertamente contra os princípios autonomistas, este discurso mavioso e dissimulado parte da premissa de que haverá um ponto a partir do qual a Autonomia deve deixar de se repensar porque se esgotará nos seus propósitos. Como se de uma Autonomia a galope, no pós-25 de Abril, que passou a Autonomia a trote na viragem da década de 90 do século passado, tivéssemos agora chegado a uma Autonomia que deve andar a passo e até imobilizar-se totalmente porque o que havia a fazer está feito.
II. Há diversas razões e motivações por detrás deste discurso paternalista e enviesadamente desenvolvimentista. Para uns, é apenas uma questão de se ser centralista sem ter de o assumir. Para outros é uma questão eminentemente geracional – foram atores decisivos de outras fases do processo autonómico e, de uma forma que até chega a ser compreensível, acham que continuar a insistir pode comprometer o adquirido. Mas para boa parte deles a razão é puramente político-partidária e depende do interesse estratégico a privilegiar a cada conjuntura. É o que acontece, por exemplo, com aqueles que alegam que o debate em torno da reforma da Autonomia é apenas uma forma de fazer divergir as atenções de uma suposta emergência socioeconómica, ou com os que não se importam de desqualificar o esforço reformista, apelidando-o até de esotérico, apenas para poderem apontar presumidas incongruências e contradições no discurso alheio.
III. O PS/Açores crê convicta e firmemente no caráter dinâmico do sistema autonómico e na necessidade de se manter, em permanência, uma saudável e vigilante reflexão sobre a sua adequação ao evoluir dos tempos e dos anseios dos Açorianos. Esta é não só a forma mais eficaz de proteção do ideal autonómico, como constitui mesmo uma obrigação para todos aqueles a quem incumbe representar institucional e politicamente o Povo Açoriano. Nos seus fundamentos enquanto sistema de autogoverno, a Autonomia é perene, mas, na sua concretização prática, deve estar permanentemente em reconstrução, de modo a garantir as respostas adequadas a cada novo desafio e a cada nova aspiração.
Foi este o espírito que reconhecemos no discurso do Dia da Região de Vasco Cordeiro em 2015, quando salientou o dever de “buscar e construir soluções e práticas inovadoras que revitalizem a nossa Democracia” e a responsabilidade histórica de reformar, de transformar e de contribuir para dar um novo impulso à nossa vivência Democrática”. Foi esta também a base de que, desde então, o PS partiu para congregar todos os restantes partidos e associações cívicas, primeiro, numa reflexão alargada de caráter informal, e, posteriormente, numa comissão parlamentar eventual dedicada à reforma da Autonomia.
IV. Nas celebrações oficiais do Dia da Região de 2017, Vasco Cordeiro voltou a expor, clara e inequivocamente, os nossos motivos: reforçar o envolvimento dos Açorianos nas decisões da sua vida coletiva e democrática, de modo a que se sintam, cada vez mais, como parte integrante e integrada da nossa Autonomia. E algumas das possíveis formas de concretizar esses objetivos, como são os casos da introdução nas eleições legislativas regionais de listas abertas e do sistema de voto preferencial, ou do aperfeiçoamento da arquitetura institucional da Autonomia.
Abdicar da missão de tentar fazer melhor será sempre negligenciar a responsabilidade democrática de defender o legado autonómico, atualizando-o, zelando pela sua eficácia e adequação, buscando o seu permanente aperfeiçoamento. Arriscado seria nada fazer, perigoso seria tudo relativizar, incorrer em dolo seria fazer acreditar que está tudo feito. A história dos Açores está, infelizmente, cheia de quem tenha preferido entreter-se com o que lhe davam, mas foi sempre dos que nunca vergaram que se fez o futuro desta terra!