Há discursos que se não existissem tinham de ser inventados e mesmo assim seriam difíceis de acreditar, face à contradição e desfaçatez que representam.
No passado dia 3, discursando em Angra do Heroísmo, na conferência internacional Novos Desafios de Segurança e Defesa, o presidente do governo regional dos Açores afirmou que é preciso “defender as democracias” e “desconfiar” dos “não democratas, mesmo aqueles que possam viver em democracia”. Bolieiro acrescentou ainda que “É bom que no mundo da política, não só a interna mas a externa, as democracias se defendam e percam a tendência da ingenuidade, da pluralidade que procura destruir, pelos extremismos, o funcionamento da democracia”. Espantoso!
José Bolieiro manifestou assim, de uma forma trágico-cómica, o seu profundo desconforto por ser o primeiro político português a chefiar um governo com o apoio da extrema-direita. Bolieiro conquistou indiscutivelmente o seu lugar na história.
Durante a campanha eleitoral de 2020, Boleiro já não defendia o perfil que utilizou nas suas campanhas autárquicas. Já não era o homem “da nova forma de fazer política”, uma fórmula que se resumiu a uma frase; nem o político que conferia à “ética” a máxima prioridade, cuja tradução foi sempre o pragmatismo. Bolieiro 2020 era o político que prometia a “despartidarização da administração pública”, fez precisamente o contrário; a “desgovernamentalização da sociedade”, acabou por contradizer o prometido; e também era o “político moderado que as pessoas conhecem” que não estava disponível “para atendimentos com extremistas”, após as eleições assinou um acordo com a extrema-direita do Chega. Bolieiro bem que pode continuar a expiar os seus incómodos, talvez se convença a sim próprio. Contudo, qualquer pessoa com o mínimo de memória dispensaria tão sinistro e lamentável espetáculo de hipocrisia. Após um certo limite de contradição ser ultrapassado é muito difícil ser levado a sério.