No último dia da edição, deste ano, do Tremor, participei no Caudal, uma mesa-redonda em registo informal, a partir da exposição Ponto de Partida, presente no Centro Cultural da Caloura, para uma troca de testemunhos em torno de um conjunto vasto de questões, sobre o passado, presente e futuro (cultural) dos Açores.
O calor e o sol da tarde convidavam a outros prazeres, mas a moderação conduzida pela Maria Emanuel Albergaria, coordenadora intermunicipal do Plano Nacional das Artes, conseguiu agregar a atenção de um punhado de festivaleiros.
Nestes encontros, a conversa tende (não raras vezes) para uma catarse colectiva, invariavelmente, sobre as dificuldades existentes (leia-se financiamento), mas a troca de experiências dos vários intervenientes (Nina Medeiros, Sofia Botelho e Victor Almeida, de gerações distintas) e o diálogo com os participantes fez fluir a partilha.
Muitos dos temas elencados (acessibilidades, diversidade programática, educação e ensino), estão há muito diagnosticados, persistem no espaço e no tempo, com a inerente actualização dos desafios que hoje existem, num mundo cada vez mais global, em que a exigência dos públicos e de um conjunto amplo de agentes, cada vez mais profissional, pressiona as instituições públicas para uma resposta que, na maioria das vezes, não conseguem dar. Aqui, chegamos ao paradoxo em que nos encontramos.
O apoio nacional às entidades regionais consignado pela DGARTES – Direção-Geral das Artes, desde 2018, veio repor uma injustiça com décadas. A possibilidade de apoio (reforçado) à comunidade artística local tem feito consolidar, desde essa data, um conjunto de estruturas e de profissionais, e com isso a sustentação de uma programação regular e a participação em rede com uma plêiade de parceiros nacionais e internacionais.
O Tremor é disso um exemplo referencial.
Por estes dias, a ultraperiferia passa a ser um centro na difusão, na escala certa, de novos nomes da cena alternativa internacional, assim como, de importantes projetos comunitários locais, e de novos artistas regionais que aqui têm a atenção de um público maioritariamente internacional (este ano vieram de 29 países) e da imprensa especializada.
Do outro lado temos as instituições públicas (onde incluo, inclusive, a DRaC - Direção Regional da Cultura), importantes parceiros destas entidades locais, convocadas para agir reciprocamente, mas com muitas limitações na sua missão, sobretudo, devido a questões de funcionamento (orçamento e manutenção) que devoram e limitam a atenção para aquilo em que deviam estar concentradas em fazer, o apoio intransigente e incondicional ao desenvolvimento da actividade cultural (e artística) regional (e a sua intermediação em rede, dentro e fora da região).
A pertinência é absoluta, num momento da história em que fervilha a discussão em torno dos paradigmas das políticas culturais, nomeadamente, aqueles em que entrecruzam os conceitos de “democratização da cultura” e “democracia cultural”. No primeiro, pretende-se o “alargamento da cultura ‘legítima’ ao maior número possível de pessoas” com a pretensão de reduzir as “desigualdades de acesso à cultura erudita”; o segundo, “reivindica um conceito mais alargado de cultura, dando primazia à cultura de base comunitária, sensível à diversidade cultural (…) sem desprimor pelas práticas artísticas amadoras” (Práticas Culturais dos Portugueses, ICS/FCG).
Estes são dados incontornáveis para a intensificação de políticas culturais (regionais) que implicam, forçosamente, o acesso ao conhecimento sobre hábitos, práticas e gostos culturais que não abundam no país e que no arquipélago são residuais (ou inexistentes).
Neste momento, importaria não abdicar ou reduzir a torrente do “caudal” que brota das ilhas, com risco de o mesmo jorrar para lado nenhum e perder todo o seu fulgor e vitalidade (crescentes).