Sophia de M.B. Andresen escreveu um poema sobre "pessoas sensíveis". Diz dessas (desse tipo de ser humano) que são aquelas pessoas que "não são capazes/ de matar galinhas/ Porém são capazes/de comer galinhas" ou ainda aquelas pessoas a quem o "Senhor" deve perdoar "porque eles sabem o que fazem".
O mundo em que vivemos está cheio de pessoas assim, capazes de vender a alma ao diabo, para aconchego das suas próprias dores. Ou porque não sabem viver de outra maneira (já dizia um outro poeta português que "saber viver é vender a alma ao diabo") ou pura e simplesmente porque não têm outra escolha senão mesmo ser assim "sensíveis" (com aspas) …
O poema de Sophia M.B. Andresen é em si mesmo um tratado que algumas pessoas, sobretudo estas de uma "sensibilidade aguçada" deviam ler todos os dias, pela manhã, antes de se dirigirem ao seu trabalho.
É um poema que separa, claramente, o empenhamento social e político que não receia a denúncia das injustiças reais, a procura da resolução dos problemas do empenhamento hipócrita dos que aclamando o bem comum (ou mesmo pessoal e particular) são "sensíveis" de mais para matar galinhas (resolver os problemas).
É claro que é uma enorme metáfora. Mas, não deixará de ser, pelo menos, uma metáfora interessante e, do ponto de vista da escrita e crítica social, muito inteligente.
Usamos normalmente a palavra sensibilidade para outras situações. Dizemos que fulano e sicrano são muito sensíveis a qualquer coisa, que estamos sensíveis com a situação y ou que a sensibilidade extrema de um certo e determinado indivíduo levou-o a realizar a obra x, por exemplo.
É assim essa noção global de sensibilidade que a poetisa – em poucas palavras – enquadra noutro âmbito, oferecendo ao leitor estas "pessoas sensíveis"…que são duplas e muitas vezes triplas.
Essas, que sofrem da incapacidade de matar galinhas, mas estão sempre prontas para comê-las. Falta-lhes autenticidade e originalidade. Usam e abusam da ilusão. São devotos de uma certa linha de pensamento.
E Sophia de M.B. Andresen condena-lhes a hipocrisia. Chama-os "vendilhões do templo". São Falsos. São imorais. Mas, "sensíveis".
As sociedades vivem-se (também) por pessoas assim, é certo.
E por isso a crónica de hoje (no princípio de Novembro já quase no Natal) é sobre essas "pessoas sensíveis" porque as há por todo o lado e de todos os feitios.
A mão que a escreve (à crónica) não teve outra intenção, senão analisar um poema, sem a carga das análises poéticas das aulas de português, e, através dele, falar do rigor dos modos e do declinar dos tempos…
Apoiamos sempre a luta pela justiça e pela verdade, rejeitando a fatalidade destes seres "sensíveis" que (ainda) acham que a maledicência pode vencer a verdadeira "consciência convicta" (Antero de Quental) dos homens e das mulheres cujos rostos trazem marcados "a terra, o sol, o vento e o mar" (Sophia de M.B. Andresen).
Seja como for um outro poeta português escreveu – um dia – que " o livre ilhéu mesmo morto não cora se espernear". Poderá (até) ser assim mesmo. E se não for, o tempo de vida que ainda (nos) falta ditará a verdade sobre quantos de nós (mais ou menos "sensíveis" ou sensíveis) serão (ou não serão?) capazes de entender enfim que a mentira tem perna curta (como diz e bem o provérbio) e que a hipocrisia, a cobardia e a falsidade, sendo males maiores, acabam sempre, como o azeite, por vir à tona.
Cá os esperaremos. Hoje. Como para sempre. Serenamente.