Opinião

À mesma mesa

Ontem celebrou-se nos Açores a amizade. A delas. Porque nisto dos amigos também se separam os sexos. Primeiro comemoram eles. Depois elas. E espera-se que neste dia se reconfirme aquilo que se desdiz por um par de meses. Ontem, um pouco por toda a parte, as amigas encontraram-se como noutros dias, mas com outra intencionalidade. Cochicharam à boca pequena. Trocaram velhos segredos. Novos hábitos. Debicaram a silhueta das outras com insaciável apetite. Se engordou, com desdém, se emagreceu, com malícia. Há nos olhos das amigas a feroz certeza de que se auto-superam pela comparação. E perguntam diariamente ao espelho encantado que mulher as supera em beleza e se lhe compara em dotes. O espelho devolve a resposta, umas vezes com impaciência, outras com abnegação. À mesa do restaurante tornam-se subitamente todas iguais. Entre as conhecidas dos outros dias, ou as desconhecidas de sempre. Ontem partilharam-se segredos inconfessáveis para um dia comum. E confidenciaram-se melindres que hão-de corroer a consciência por um par de meses. As amigas são afoitas. Fazem de gente tímida extrovertida. De ensombradas verdadeiras mulheres de guerra. Na planura escorreita da mesa traçam-se planos de acção, tomam-se grandes decisões e debate-se o essencial. Trazem com elas uma pouco costumeira disponibilidade para a cavaqueira. Para o sacrifício de se dedicarem à crítica alheia sem dó nem piedade. É com puro deleite que se entregam à observação da mesa do lado. E se lançam na competição. Que estranham o decote, ou o excessivo risco dos olhos, paredes meias com o desaforo. Há-de haver por perto motivo de entretenimento. Comparar escolhas, criticar o espelho encantado das outras, desfazer-lhes o visual. Por uns breves minutos saciar o ego com a certeza de que outras há piores do que elas. E, confortadas pela auto-imagem que o espelho lhes devolve, dormirem então descansadas.