Quem nunca ouviu falar desta rábula, interpretada por Ivone Silva, onde a costureira Olívia, ora era patroa, e nessa condição mandava, impunha e ameaçava com punições; ora era empregada, e então vestia a condição de quem reivindicava direitos e justificações para não cumprir as orientações.
A presidente da Câmara de Ponta Delgada protagonizou um episódio político, que faz lembrar essa rábula. Como presidente do PSD, assumiu publicamente uma posição contrária à aplicação da “remuneração compensatória”. Considerou a medida injusta e duvidou da sua legalidade, tendo mesmo anunciado que o PSD iria solicitar a fiscalização da sua constitucionalidade. Correndo atrás da sua líder, o grupo parlamentar do PSD/Açores acabou totalmente isolado no Parlamento ao ser o único partido a votar contra esta medida.
Esta foi a posição da “Olívia patroa”. Coerente com a sua opinião contrária, orientou os deputados para que não dessem um voto favorável à proposta de criação de uma “remuneração compensatória”.
É importante lembrar que estamos a falar de 3700 funcionários da Administração Regional, com vencimentos entre 1500 e 2000 euros (ilíquidos) que não verão o seu vencimento reduzido em 3,5%. Não se trata de nenhum aumento de salário, mas apenas a garantia que este não será reduzido por via do corte salarial imposto pelo Orçamento de Estado. Quem ganha menos de 1500 euros não sofreu qualquer corte de vencimento.
O PSD não concorda? Tudo bem, está no seu direito de não entender correcta a medida e até se entende que alegasse, na altura do debate do orçamento regional, a injustiça que se criaria entre as administrações regional e local. Já não se entende que, perante uma proposta de alargamento desta remuneração aos funcionários das autarquias, recomendação feita pela Associação de Municípios, o PSD tenha votado contra no Parlamento. E, menos se percebe ainda que, apesar de não concordarem, vários municípios de gestão social-democrata tenham decidido por em prática tal procedimento.
O caso é ainda mais flagrante, quando se analisa o município de Ponta Delgada. É então que surge a figura da “Olívia empregada”, que justifica a inevitabilidade da remuneração compensatória por se tratar de uma lei e, como tal, ser obrigatória a sua aplicação.
É bom lembrar que o Diploma que prevê o alargamento da remuneração compensatória aos funcionários das autarquias, coloca nos municípios a “decisão de aplicar ou não a medida” e aliás, foi esse facto que, segundo o comunicado do Representante da República, justificou a sua promulgação imediata.
Mas há mais! O mesmo PSD que afirmou não concordar e que votou contra a aplicação da remuneração compensatória aos funcionários das administrações regional e local, manifestou-se favoravelmente perante um voto congratulação pela sua aplicação no município de Ponta Delgada, apresentado pela banca do PS na última sessão da Assembleia Municipal.
Afinal, em que é que ficamos? Contra ou a favor? Contra, perante a opinião pública, fazendo o discurso de que há quem ganhe menos e que merecia um aumento de salário, mas a favor, das portas para dentro, quando toca aos seus?
A coerência é um exercício de exigência e rigor político, por sinal difícil para alguns.