Há uns meses atrás, quando o então candidato Passos Coelho tomou a atitude de pedir desculpa aos portugueses por ter aprovado o PEC, os impostos nele contemplados eram uma pálida sombra do que agora se enunciou para o Orçamento do Estado. Mas o primeiro-ministro, que já aprendeu a não falar de mais, acha que desta vez não temos direito a um pedido de desculpas.
Para quem afirmava que estava tudo estudado ao pormenor e que as medidas a aplicar estavam definidas com rigor, revela uma grande desfaçatez ao apresentar estas propostas. Não vale a pena perder tempo a mostrar as contradições de Passos Coelho, confrontando as declarações que fez antes de ser eleito e as medidas que agora tomou, desdizendo-se sem qualquer rebuço. Prefiro orientar a bússola para o campo dos comentadores da política, dos mais diversos quadrantes, havendo alguns deles bem conhecidos como apoiantes dos partidos do governo. Entre a direita, o centro e a esquerda, há um ponto em comum: por este caminho não vamos lá.
Dado que são vozes autorizadas, socorro-me apenas de alguns para percebermos o desnorte que vai na política governamental.
A justificação para um tão brutal aumento de impostos radica nos buracos que foram sendo encontrados. A este propósito, escreveu Pedro Adão e Silva: “O primeiro-ministro justificou os cortes bem além do memorando da troika com base num conjunto de surpresas que terá encontrado.
Nenhum dos documentos de execução orçamental conhecidos dá cobertura às afirmações de Passos Coelho. O único desvio conhecido resulta da Madeira, do BPN e da degradação da receita fiscal”.
É provável que o ministro Miguel Relvas volte, um dia destes, a tirar um coelho da cartola, como no caso das facturas que estavam fechadas à chave numa sala do Instituto do Desporto. O inquérito mandado instaurar mostrou o bluff das declarações do ministro, mas a acusação já estava feita com o efeito pretendido.
Quanto aos destinatários deste orçamento, Nicolau Santos acerta no alvo: “V. Exª dirá que está a fazer o que é preciso. Eu direi que V. Exª faz o que disse que não faria, faz mais do que deveria e faz sempre contra os mesmos … Senhor primeiro-ministro talvez ainda possa arrepiar caminho”. Os mesmos, sempre os mesmos, com destaque para os ricos funcionários públicos. Quem diria que o descendente do velho manga-de-alpaca ainda iria ser considerado um privilegiado na nossa sociedade.
Mas exigir austeridade implica, como escreveu Martim Avillez Figueiredo, “explicar qual o caminho que, a prazo, termina com os cortes. Cavaco pediu isso mesmo esta quinta-feira. Passos Coelho fez ouvidos moucos”. A experiência tem demonstrado que, quando os governantes são cegos e surdos (já que não podem ser mudos), o fim é sempre trágico.
Outros interrogam-se sobre a utilidade destes sacrifícios, como é o caso de Fernando Madrinha: “na verdade, os sacrifícios de 2012 servem apenas para uma coisa: agradar aos credores o suficiente para que eles nos facilitem a vida em 2013, seja através de novos empréstimos ou de facilidades no pagamento dos já concedidos.”
Os exemplos de descontentamento podiam multiplicar-se, mas houve também quem apoiasse as medidas tomadas. Entre eles, destaca-se Marcelo Rebelo de Sousa. Declarou em Ponta Delgada que “na situação a que chegamos, não há nenhuma alternativa para controlar o défice e a dívida pública”, mas no seu comentário televisivo já foi menos afirmativo. Para um candidato a Presidente da República, podemos já imaginar o seu comportamento, caso seja eleito.
Obcecado com a redução do défice, o Governo destrói toda e qualquer possibilidade de crescimento económico, mas parece ficar todo satisfeito se o reconhecerem como bom aluno.
Desculpe, senhor primeiro-ministro…mas sempre ouvi dizer que um bom aluno é inteligente e criativo. Nada disto ficou demonstrado nesta política orçamental. Assim não vamos lá.