Opinião

O Espírito Açoriano (2)

CARLOS ENES Com o 25 de Abril, a dinâmica em torno do lóbi açoriano mudou. Numa primeira fase, os açorianos residentes na capital andavam mobilizados, ou por causa do perigo comunista ou do perigo da FLA. Mas à medida que se foi implantando o regime autonómico, o poder político regional procurou afastar-se dessa dinâmica de lóbi que ainda persistia. Havia, até, alguma desconfiança face aos açorianos residentes em Lisboa que procuraram manter acesa essa chama. A relação com o Estado ou era feita de forma institucional ou então por via partidária. O papel que a Casa dos Açores exercia, como polo aglutinador dessas vontades, acabou por se ir esvanecendo. O poder político regional isolou-se e ao fazê-lo contribuiu para destruir esse espírito açoriano, na sua vertente militante. A açorianidade evocada na altura serviria apenas para realçar as nossas especificidades culturais, reservando-se o papel ativo para o aparelho político regional. A luta partidária, de certo modo contribuiu para este desenlace, mas a atitude isolacionista do governo foi mais prejudicial. O papel da Casa dos Açores de Lisboa, bem como das outras duas que se fundaram no Norte e no Algarve, passou a ter uma vertente predominantemente cultural. Nestas agremiações continuou a funcionar um espírito açoriano, mas muito mais voltado para a contemplação das raízes, sem espírito de lóbi, porque o poder político regional não deu azo para tal. Este desenlace afetou também os jornalistas de origem açoriana, trabalhando na capital. Os mais dinâmicos ainda atuaram durante algum tempo de forma individual, mas o espírito açoriano militante foi-se esbatendo. Como sabemos, as notícias que passam no Continente são, em muitos casos, pouco lisonjeiras para nós. E não havendo resposta, a opinião pública foi formando uma imagem deturpada da realidade. No momento presente em que se vai discutir a Lei das Finanças Regionais, os Açores deixaram de se fazer ouvir junto da população continental. E se não o fizermos para lhe explicar quem somos, como somos, o que pretendemos, teremos sempre alguém a azedar o caldo. Os desígnios centralistas têm, pois, campo fértil para se espraiarem, aproveitando a situação de crise. E mais depressa se alastrarão quanto mais tempo demorarmos a explicar a realidade em que vivemos. Os meios que hoje existem ao nosso alcance são múltiplos, rápidos e eficientes. A abertura da sociedade açoriana é também hoje uma realidade insofismável. Com um pouco de imaginação, o espírito açoriano, que existe enraizado e atuante entre nós, pode e deve galgar as barreiras e bater à porta dos outros portugueses. E com toda a franqueza podemos explicar-lhes que não somos um sorvedouro de dinheiro, que as nossas dívidas estão dentro dos limites previstos e que a nossa Autonomia não resulta numa quebra de solidariedade. Luís da Silva Ribeiro, nos anos 20, dizia que criar e vivificar o espírito açoriano era uma tarefa urgente para todos nós. Pois bem, está na hora de voltar a repensar o assunto. Mas o renascimento desse propósito nada tem a ver com uma atitude de confronto com o outro, com o Continente. Não se trata, de forma alguma, de ressuscitar procedimentos que foram postos em prática noutras conjunturas. O espírito açoriano, a defesa dos direitos que nos assistem, tem de se manifestar através do diálogo, através do esclarecimento e do convencimento. Quando a razão está do nosso lado e as nossas propostas são equilibradas, as soluções ser-nos-ão favoráveis. Mas para isso é preciso determinação e persistência. É com esse objetivo que os deputados do PS na Assembleia da República procurarão alargar os consensos para que os pontos mais negativos da Lei das Finanças Regionais possam ser eliminados.