Já está no Parlamento a proposta de alteração à Lei de Finanças Regionais, que o Governo da República enviou a semana passada, e que prevê, no seu artigo 59, que as regiões autónomas dos Açores e da Madeira só possam diminuir as taxas nacionais do IRS, IRC e IVA até ao limite de 20%. Isto na prática traduzir-se-á num agravamento da carga fiscal nos Açores do IVA de 4 para 5%, de 9 para 10 e de 16 para 18 por cento. A taxa de IRC passaria assim de 17,5 para 20 por cento.
Havendo várias outras questões que merecem ainda discussão e ajustamentos, a questão da redução do diferencial fiscal é um motivo de preocupação acima de tudo por revelar da parte do GR uma incapacidade de aplicar o ajustamento que defendem no plano nacional e de novo um olhar de desconfiança para com as autonomias e as suas vicissitudes geográficas e históricas.
Incapaz de aplicarem o ajustamento que defendem no plano nacional porque, e apesar de esta medida do diferencial estar presente no memorando de entendimento da Troika, muitos pressupostos que estiveram na base da redacção inicial do memorando foram entretanto alterados. E enquanto o governo de Passos Coelho reclama, por parte da Troika, essa sensibilidade e respectivos ajustes à realidade actual, a verdade é que faz ouvidos moucos no que concerne às regiões autónomas, e insiste na diminuição do diferencial fiscal, mesmo depois de admitir que os pressupostos se alteraram.
De novo um olhar de desconfiança porque, se por um lado as contas da região autónoma da Madeira foram um descalabro suspeitado e por fim confirmado, as contas dos Açores têm-se mantido equilibradas e não necessitam de ajustes, tal como a própria Troika o afirmou quando dispensou avaliações por terem sido as contas validadas por várias instâncias credíveis, como o INE ou Bruxelas.
Acima de tudo, este artigo da proposta de Lei de Finanças Regionais vem provar aquilo que a Troika tem provado a Portugal desde o início do cumprimento do Memorando de Entendimento. Ou seja, que não há qualquer benefício em ser-se bons alunos ou cumpridores de um qualquer plano. Não foram os Açores, ao contrário de Passos Coelho, “mais longe do que o pedido” e portanto não seremos alunos tão bem comportados aos olhos do GR como pensa Coelho que é aos olhos de Merkel. E ainda bem. Foi Passos Coelho além do necessário e o resultado está à vista: igual ao não se ter ido.
Não há resultados práticos para uma boa conduta, nem tão pouco aquele “feedback positivo” de que necessitam as pessoas que fazem bem o seu trabalho. As palavras não devem ser ditas apenas para criticar, também para elogiar. Os Açores, ao nível das suas contas públicas, têm sido um exemplo para o país e para a Madeira. Não contribuímos para a dívida nacional, ao contrário da Madeira, e temos sido capazes de manter o nosso nível de endividamento e equilíbrio financeiro. Apesar de o Governo Regional dos Açores ter assinado um acordo com a República para o cumprimento das medidas aplicadas para fazer face aos objectivos do Memorando, não quer isso dizer que concorde com as medidas nem tão pouco que as medidas sejam justas. In abstracto, não se espera dos Açores uma actuação que vá, à partida, contra a actuação nacional, mais que não seja por uma questão de princípio. Mas também, in abstracto por si só não permite avaliar medidas nem valores concretos até surgirem propostas.
A proposta de revisão da Lei das Finanças Regionais prevê na prática um aumento de impostos nos Açores e os açorianos, conscientes do trabalho feito até aqui e da contenção orçamental das contas regionais, que ainda antes de qualquer Memorando foram já sendo ajustadas a uma realidade económica global e de austeridade, não podem concordar. Como açoriano que sou, e não madeirense, não posso deixar de sentir que na base desta proposta está, não fosse ela uma insistência do CDS/PP, uma espécie de castigo à gestão de Alberto João Jardim e do PSD/M cuja descoberta da dívida encoberta levou a um aumento real da dívida nacional. Tal não aconteceu com os Açores.
Mas a República não entende assim. Como não tem entendido as reivindicações nem as decisões regionais (especialmente as que não vão de acordo com Lisboa) numa óptica de que os Açores devem ser como a Madeira, assim, chapa cinco. Numa generalização grosseira que revela um profundo desconhecimento não só das realidades geográficas como das realidades sociais e culturais das duas regiões. Basta que nos lembremos do tom e das palavras usadas por Miguel Relvas aquando da RTP/A e da redução da sua janela de emissão; e lembremo-nos do Sr. Silva (assim mesmo, reduzido, como o Jardim o chamava) que proferiu declarações fora do seu país quando o então presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, decidiu contrariar a redução dos vencimentos da função pública.
É uma proposta, e deve ser discutida. Mas a ser aprovada, deverá ter a discordância dos deputados regionais à Assembleia da República e o repúdio de todos os açorianos. É porque nestas coisas devemos ter alguma atenção quanto ao pagar o justo pelo pecador – estamos numa situação gerada por pecadores, não por justos. E o cumprimento deverá ser, de novo in abstracto, reconhecido e recompensado.
Ainda estamos para ver...