Opinião

O Paraíso é dos ricos

I. A maior empresa do mundo, avaliada em mais de 600 mil milhões de Euros, e o país da União Europeia mais rico em termos de PIB per capitae, segundo o FMI, o mais rico do mundo, com um registo de cerca de 100 mil Euros/ano por habitante, fizeram um acordo fiscal secreto. De um lado, a todo-poderosa Apple ficava a pagar menos de 1% de imposto sobre os capitais que viesse a transferir para as suas participadas no Luxemburgo; do outro, o Governo luxemburguês, com a intermediação da consultora Price Waterhouse Coopers (sempre as mesmas!), fugia ao controlo das instâncias reguladoras europeias e captava toneladas de dinheiro gerado mas não taxado noutros países. Demonstra a recente investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, realizado por 80 jornalistas em 20 países, que este é um procedimento corrente dos governos luxemburgueses das últimas décadas e que terão sido celebrados acordos deste tipo com 340 grandes empresas, incluindo as também célebres Amazon, Ikea e Pepsi, e ainda seis outras com ligações a Portugal, como o sinistro Carlyle Group, do ex-embaixador americano Frank Carlucci. O Luxemburgo é, oficial e reconhecidamente, um país com um estatuto fiscal especial no quadro da União Europeia, e, por essa razão, possui mais de 200 bancos e cerca de 50 mil holdings registadas para cerca de 500 mil habitantes, número que só é suplantado pelos Estados Unidos. Sem uma especialização produtiva digna de registo, aquele grão-ducado vive da chamada “deslocalização fiscal”, da permitida e da ilegal, o que é o mesmo que dizer que a sua riqueza resulta de ajudar as grandes empresas a não pagarem impostos nos países onde o valor é criado. II. Basicamente o que se passa, a coberto da lei, é que empresas do mundo inteiro constituem holdings sedeadas no Luxemburgo, praticamente sem existência material, para onde transferem dinheiro que geram com a sua atividade em diversos mercados, para aí serem taxadas pela bitola mais baixa. Havendo quase uma centena de paraísos fiscais no mundo e sendo também este um mercado competitivo, o Luxemburgo decidiu oferecer, agora já sem cobertura legal, condições ainda melhores às grandes multinacionais com milhares de milhões de euros para transferir. Estas, por sua vez, também não se incomodam muito com o facto de terem de contornar a legalidade dos países onde operam. Quem ganha? As próprias empresas, de forma direta, e os cofres nacionais do Luxemburgo, que atraem tudo o que é grande fortuna corporativa. Quem perde? Os países vítimas de fuga de massa tributável, de forma direta, e todos os países que não podem lutar com as mesmas armas do Luxemburgo. Curiosamente o ex-Ministro das Finanças do Luxemburgo e ex-Primeiro-Ministro nas últimas duas décadas, Jean-Claude Juncker, foi recentemente escolhido para substituir Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia. Curiosamente também Juncker foi antes Presidente do Eurogrupo, órgão de governação económica europeia onde se centra a coordenação e supervisão das políticas e estratégias económicas comuns relativas à Eurozona. III. Segundo cálculos do Professor de Economia da London School of Economics, Gabriel Zucman, em 2013, os paraísos fiscais, alavancados pelo sigilo bancário, geram 130 mil milhões de euros de perdas anuais de receitas fiscais totais – como comparativo refira-se, por exemplo, que a dívida externa líquida da Grécia é de cerca de 250 milhões de euros. Isso significa não só que o Luxemburgo é apenas uma parte do problema, como também que o problema exige ação política urgente. A União Europeia, ao mesmo tempo que anda de lupa à procura de heresias nos orçamentos nacionais dos remediados, fecha os olhos para não ver somas gigantescas de capital em fuga para os paraísos da fiscalidade e mais além. É simultaneamente percetora cruel dos Estados Membros remediados lesados em esquemas fiscais fraudulentos e ama dócil dos Estados Membros ricos à custa das dificuldades das economias mais vulneráveis. Como demonstram as nossas recentes experiências com o BPN e o BES, ou mesmo com a gestão da PT, sem uma firme alteração do regime jurídico que regula os sistemas financeiros à escala nacional e global, a política será cada vez mais impotente e, no pior cenário, conivente com o poder do dinheiro.