Opinião

O conhecimento errado das coisas

I. Já ninguém fala em propaganda política – a não ser talvez os brasileiros, mas, neste caso, por uma questão de uso da Língua. Hoje o termo mais aceite é comunicação eleitoral, designação que esbate o poder de influência direta da mensagem sobre os eleitores, ao mesmo tempo que reforça a responsabilidade ética sobre o que é dito. Isso não quer, obviamente, dizer que, na prática, não se continue a fazer propaganda eleitoral. Como a cultura política e a consciência cívica do eleitorado são mais exigentes, refinaram-se os termos e os métodos, afinou-se a semântica e debruou-se a imagem, mas, no fundo, há quem continue a propagandear, sem grandes reservas, “Ontem: miséria e desconforto; Hoje: bem-estar e alegria”, como o fazia a União Nacional na década de 30 do século passado. II. Entre as técnicas mais utilizadas pela propaganda política tradicional conta-se o apelo ao medo e a correspondente evocação da segurança. Se nas décadas de 30 e 40 do século XX o que estava em causa era a segurança física e o medo dos exércitos inimigos, nos dias de hoje o recurso ao medo como argumento político bebe na continuada instabilidade financeira e económica e nos receios a ela associados. Para ser eficaz, o apelo ao medo tem de ser redutor e simplista, e, preferencialmente, deve estar associado a um papão facilmente identificável, com rosto e nome próprios. Pois, a Coligação que governa Portugal há quatro penosos anos cumpriu a cartilha toda. Ao invés de explicar o que prometeu e não cumpriu ou de propor fundamentadamente novas soluções para o que não conseguiu resolver, a Coligação, com Paulo “Irrevogável” Portas erigido em ministro da Informação e Propaganda, não tem feito outra coisa senão metralhar os portugueses com o discurso do despesismo genético dos socialistas e dos enormes perigos do seu regresso ao poder. Recorrendo às mais clássicas técnicas de discurso propagandístico, o líder do CDS-PP tem centrado as suas intervenções no perigo do regresso ao forrobodó socialista e no risco associado de um novo resgate, que obrigue a mais austeridade. “Em 40 anos de democracia, Portugal viveu sob assistência externa três vezes, sempre em consequência de políticas socialistas erradas” ou, como afirmou no encerramento do Congresso do CDS-PP Açores, “Porque é que havemos de correr o risco de voltar atrás e voltar ao problema com o Partido Socialista? (…) Com o PS há sempre o risco das contas deixarem de ser certas”, são exemplos claros de que a estratégia de campanha passará por substituir a prestação de contas da governação e o debate sobre o futuro por um estereotipado e passadista discurso do medo, em que os socialistas são tudo o que há de mau, enquanto a Coligação encarna o bom e paroquiano sentido do portuguesismo acomodado. III. E não é sempre assim, pensará o leitor, não sem alguma razão? É e não é. É, no sentido de que muito do discurso de campanha é em regra de natureza simplista e propagandística. É, porque o debate político está muito extremado e a busca de consensos passou para o domínio do platónico. É também porque ninguém estava à espera que Portas abandonasse, como num passe de mágica, a sua justa e eficaz fama de estratega. Mas, por outro lado, não é. Não é, porque o contexto de dificuldades e sacrifícios com que os portugueses se têm defrontado nos últimos quatro anos exigiria um outro tipo de cuidado e de responsabilidade. Não é, porque mais do que definir o grau de austeridade com que teremos de viver nos próximos anos, o que está em causa é a escolha entre dois modelos de governação, ambos legítimos, ambos envolvendo prós e contras, e ambos sujeitos a avaliação. E não é também porque eu sou dos que acho que a verdade não é instrumental e que qualquer discurso maniqueísta consome a esperança, desestimula a reação e afunda a política. É que, como dizia um personagem histórico que parece cada vez mais inspirar o discurso político da Coligação, “este errado conhecimento das coisas é pior que a ignorância delas”.