Opinião

Sobre o elefante no arame

I. Vamos diretos ao elefante que paira sobre esta crónica, suspenso num fino arame – se fingirmos que não o vemos, ele cair-nos-á em cima. Estive envolvido num incidente parlamentar na sessão plenária de abril, daqueles que não aproveitam à Autonomia e à credibilidade das suas instituições e agentes. A minha quota-parte de responsabilidade no processo foi ter lançado um aparte – previsto no Regimento, constante do Diário das Sessões e existente em todos os sistemas parlamentares democráticos desde que a democracia representativa de matriz liberal se institucionalizou. Em resposta a um aparte de um deputado do PSD/Açores sobre uma deputada da bancada da qual sou líder, perguntei-lhe se ele tencionava fazer mais um vídeo. Foi isso e apenas isso. É certo que há uma insinuação na minha conversa (quem acompanha as redes sociais saberá do que estou a falar), mas também é certo que, quanto muito, se trata de uma insinuação ancorada no debate político recente e não em questões pessoais. A partir daqui não tenho qualquer outra responsabilidade no sucedido, nem por atos, nem por afirmações. Nunca mais disse ou fiz o que quer que fosse. Fui, depois, insultado e insistentemente provocado, mesmo já fora da sala do Plenário e, portanto, fora das câmaras de transmissão online dos trabalhos parlamentares. Lamento profundamente o sucedido. Reconheço que o aparte que fiz em nada dignificou o debate político, mas não me considero responsável em partes iguais pelo episódio impensável em que, a seguir, me vi envolvido. Peço publicamente desculpa aos açorianos por não ter evitado o aparte e não ter tido a lucidez necessária para perceber que em nada contribuía para o bem comum, mas não aceito que equiparem, sem informação e sem fundamento, esse facto à forma desabrida e agressiva com que fui confrontado. II. E isso conduz-nos à segunda parte da questão. Embora muitos se tenham pronunciado pública e criticamente sobre o assunto, apenas um jornalista me contactou com o objetivo de ouvir a minha versão dos factos – por sinal, um jornalista de um órgão de comunicação social que não chegou a publicar nada sobre o assunto. Alguns acharam que tinham visto e que isso era suficiente, como se um vídeo mudo, sem contexto, pudesse contar toda a história. Para outros foi como se não tivessem visto. E para outros ainda foi tudo muito claro e o culpado foi aquele de quem gostam menos entre os dois envolvidos. III. O debate parlamentar está cada vez mais transformado em arena de guerrilha partidária, assente numa lógica confrontacional que tudo contamina, da utilização das figuras regimentais aos apartes, do grau de tolerância ao tom discursivo, e até mesmo ao trabalho burocrático e administrativo incluído no normal funcionamento do Parlamento. Há, em vários setores, quem esteja apostado em que as instituições políticas da Autonomia pareçam sofrer de uma irremediável esclerose, uma suposta degradação qualitativa que, quando comparada com um edílico passado de lustro e brilho, nos deve envergonhar. Há mesmo quem, desempenhando funções parlamentares, veja nesta presumida decrepitude uma aliada na tarefa de desacreditar o poder, não percebendo que todos sem exceção são engolidos por ela. O grau de mediatização da atividade parlamentar também tem contribuído para este discurso público cínico. A lógica da política reduz-se cada vez mais à esfera da comunicação política – o como se diz e o como parece que se disse relegaram para segundo plano os cuidados a dedicar ao que se diz e ao que se pensa. A lógica mediática, por sua vez, necessitada de personagens, de enredos e de conflito, transforma quase tudo em preto e branco, em vencedores e derrotados, em poder e contrapoder, em fortes e fracos, em heróis e vilões. IV. Não estou a procurar desculpas. Estou a tentar perceber o que alimenta esta tensão que se vive dentro da casa que devia ser de sã convivência entre pessoas que têm o privilégio de terem sido mandatadas pelos seus concidadãos para lutarem, todas elas, pelo melhor futuro possível para a nossa terra, mas que, ao invés, se tem visto impelida a ser o terreiro de todas as disputas. E desse ponto de vista, o incidente de abril pode e deve servir de ponto de retorno.•