Extraindo do extrator…
Exmos. Drs. José Lourenço e Armando Mendes:
Ao ler ontem o “nosso” Diário Insular, deparei-me com uma nota editorial de V. Exas., assim não formalmente identificada, mas encimada com o peso substantivo dos vossos nomes.
Ao inteirar-me do seu conteúdo, apercebi-me que, em larga medida, tal nota consumia grande parte do seu conteúdo e extensão com uma intervenção minha, no último Conselho de Ilha (que a informação objetiva situa a 29 de maio p.p.), também a respeito do extrator e do Laboratório de Epidemiologia e Biologia Molecular do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira. E isto a propósito das notícias sobre o mesmo assunto deste “nosso” Diário Insular, pois eu teria dito que, e ao contrário dos chineses, nós não devemos encarar as notícias dos jornais como verdades absolutas, insuscetíveis de discussão – cito de cor, pois com exceção dos momentos em que tal é exigível pela respetiva praxe, não costumo intervir nas assembleias em que tenho assento através de leitura de prosa, preferindo antes “cantar” ao desafio…
Tal asserção, que aliás também foi objeto de notícia deste jornal, provocou alguma comoção, que certamente explica, mas no meu entender não justifica totalmente, uma visão filosófica da política, e dos seus titulares como “bestas quadradas”, equiparação dos partidos a parasitas e defesa de órgãos democráticos sem partidos, quiçá sustentados na novidade pura e desinteressada das corporações…
Mas não são estas generalidades que me movem, até porque podemos sempre tropeçar nelas na vulgata de qualquer populismo. A que não falta o costumeiro epíteto justicialista de traição à opinião diferente.
Entendamo-nos: disse, e mantenho que, a respeito do extrator para o supracitado Laboratório, e para além da perspetiva veiculada pelo “nosso” jornal, chamei a atenção para o esclarecimento feito no último plenário da ALRAA pelo Presidente do Governo, no sentido de que tal equipamento doado, por questões de oferta do mercado, chegaria ao referido Hospital em finais de junho, tendo sido, temporariamente e nesse ínterim, disponibilizado o empréstimo de equipamento muito semelhante. Mas não me limitei a ser um honrado núncio do Presidente do Governo: acrescentei que, e sem prejuízo da importância relativa deste assunto, outros havia, relacionados com aquele Laboratório, que mereciam prioridade e maior atenção, designadamente ao nível das suas instalações. Preocupação que aliás se mantém, em diligências mais focadas no resultado do que no anúncio da sua intenção. Não mereceu, porém, tal preocupação qualquer referência jornalística, critério que respeito.
Mas, e já agora: tem o PS, e tenho eu, plena consciência da importância e excelência de tal Laboratório, cuja criação jus-orgânica foi feita por um Governo da responsabilidade do PS, no qual era eu titular da pasta da Saúde. Para que conste…
De resto, só alguma emoção, que é sempre um veneno da objetividade, pode justificar a imputação que me é feita, como habitual e antigo colaborador deste jornal, de que a veracidade dos meus pobres rabiscos também estava, em escandalosa incoerência, a ser posta em causa, seguida do desamor magoado da doravante putativa depreciação pelos mesmos. Sorte cruel: estava eu a recuperar do honroso reconhecimento de pertença à família do DI, e logo sou gravemente admoestado por comportamento impróprio! Lembro, em desconto dos meus pecados, e em preito de homenagem ao bom jornalismo… que não sou digno do tíitulo de jornalista: sou um reles escrevedor das vésperas de sábado, em mal-amanhadas crónicas de opinião, suspeitas, parciais, políticas, que às vezes até parecem dignas de serem escritas por bestas quadradas.
Estou assim isento do dever de investigar, da deontologia e dos meus relatos serem confundidos com notícias de jornal chinês… Não me dispenso, todavia, de assumir por inteiro tudo o que escrevo e de tentar fundamentar o que opino. Ciente sempre que, quem vem ao espaço público, tem o dever, com que sempre tem que contar, de se sujeitar ao contraditório e ao debate democrático. Por isso mesmo, nunca imputei ao “nosso” jornal qualquer responsabilidade ou mágoa por alguns escritos de opinião surgidos no seu seio e que me tiveram por alvo, certamente de “primos” entroncados na costela de Adão, artistas da pena e de outros desvairados mesteres, seguramente a aprimorar o seu auto-retrato…
De resto, havemos de convir que mesmo o jornalismo mais canónico se defronta com dificuldades, muitas e variadas, as mais das vezes inquinadas pelas fontes, em alcançar a esquiva donzela que é a verdade absoluta, ainda que provisória. Por isso, a humildade desse reconhecimento, e o cotejo com outras perspetivas e informações só engrandece o bom jornalismo, só possível num espaço democrático, e em tolerante convívio com outras realidades e instituições, ainda que mais atreitas à crítica e aos maus humores!
O arrazoado já vai longo, e declaro desde já que não é vingança pela imposta disciplina dos “mil e oitocentos caracteres, incluindo espaços”; assim como assevero que as aspas que coloquei na expressão “nosso” jornal têm a justificativa de ser uma citação, mas registando e apreciando sempre o carácter afetivo de pertença que a expressão comporta. Que aliás, e pela minha parte, pretendo continuar a cultivar todas as semanas, ainda que tenha de suportar a mágoa de dois recentes e qualificados desamores!