Foi confrangedor ver a expressão de sarcasmo e a satisfação com que o líder da extrema direita em Portugal agradeceu ao líder do PSD por este admitir um acordo nacional entre as duas forças políticas.
Tem sido, também, doloroso ver e ouvir fundadores, militantes, simpatizantes e comentadores da área política do PSD empenharem-se na normalização e desvalorização daquelas que são as bandeiras políticas da extrema direita portuguesa.
Ver o maior partido da oposição nacional e principal âncora parlamentar do próximo governo dos Açores capturado por uma força política que se diz antissistema, mas que sobrevive porque entrou no sistema, que propagandeia uma ideologia que ofende os mais altos valores humanistas, que quer reintroduzir a pena de morte e consagrar a castração química (cuja eficácia é, aliás e no mínimo, discutível), que acolhe nas suas hostes quem quer tirar os ovários às mulheres que pratiquem o aborto, que faz do incitamento ao ódio a sua ferramenta capital, cujo discurso atenta contra as mais importantes conquistas civilizacionais, que vota contra as autonomias, não é apenas confrangedor e doloroso. É muito inquietante.
A existência de uma coligação de direita seria, para mim, uma situação sempre preocupante, porque não me revejo nos seus ideais, mas que encararia com espírito democrático. No entanto, o seu aprisionamento pela extrema direita é um sinal alarmante.
No espaço temporal de escassos dias, Bolieiro passou de não se comover com “posições extremistas”, a aceitar alegremente o seu apoio.
Aquilo a que temos assistido é um triste e deplorável teatro de marionetes, com o líder da extrema direita como exímio titereiro do PSD.
Sabemos, agora, que o PSD está disposto a tudo para exercer o poder. Pouco importam os princípios e a autonomia. Como se não fosse já motivo suficiente de estupefação ver um dos partidos fundadores da democracia e da autonomia mover-se ao ritmo da ânsia de caos de um extremista, vemo-lo admitir interferências de diversas direções nacionais partidárias no processo de constituição de uma aliança de base parlamentar que viabilizará a constituição do próximo governo da Região, é a demonstração inequívoca de que, para esta aliança, os Açores não estão primeiro. Primeiro está o poder, depois logo se vê.
Aceitar, sem pestanejar, em tempo de crise pandémica com consequências devastadoras à escala planetária, a imposição da redução do número de beneficiários de rendimento social de inserção revela a total ausência de empatia pelo sofrimento do outro. É cruel. Como podemos não nos lembrar de Passos Coelho a incitar os portugueses, flagelados pela crise das dívidas soberanas, a não serem piegas?
Aliar-se àqueles que querem acabar com a escola e o sistema de saúde de natureza pública, que rejeitam o Estado social e enjeitam os mais desfavorecidos, apenas confirma aquilo a que pudemos assistir no governo da República do PSD-CDS de má memória. Que o PSD perdeu, há muito, a sua autoafirmada matriz social democrata.
À semelhança do que aconteceu, fico à espera, após a tomada de posse do novo governo, do anúncio de umas dezenas de cantinas sociais a troco da dignidade das pessoas, para compensar as alterações que, não sei como, terão de fazer no sistema de atribuição das prestações sociais. Naquele tempo foi assim. Reduziram o universo de cidadãos elegíveis a prestações sociais como o rendimento social de inserção e o subsídio de desemprego e abriram centenas de cantinas sociais. É bom não esquecer