Opinião

O estranho pacto

Sendo esta a primeira vez que escrevo a seguir às Eleições Legislativas Regionais de 2020 aproveito a oportunidade para agradecer a todos os Graciosenses que cumpriram o seu dever cívico e também à maioria que renovou a confiança na equipa que me acompanha.

No rescaldo das eleições ouvimos muitos especialistas construindo os vários cenários possíveis para a formação de um governo estável na Região Autónoma dos Açores, mas tenho ouvido muito pouco sobre quem efetivamente venceu estas eleições.

Ora veja-se: o PS venceu em 7 das 9 ilhas dos Açores, em 12 dos 19 concelhos e em 101 das 156 freguesias. Além disso é o único partido que elegeu deputados em todas as ilhas. Não é coisa pouca, portanto.

Atentemos também aos resultados de cada um dos líderes da coligação de direita. O líder do PPM foi o primeiro eleito no Corvo, numa coligação com o CDS-PP, com 115 votos, mais 14 do que o PS. O líder do CDS-PP foi o oitavo eleito no seu círculo eleitoral, com 2.340 votos e o novo presidente do governo foi o segundo eleito no círculo eleitoral de S. Miguel, com 19.562 votos, depois, portanto, de Vasco Cordeiro.

No entanto, também é justo dizer-se que nenhum dos dois partidos mais votados conseguiu o objetivo de obter uma vitória com maioria absoluta, coisa a que temos de nos habituar.

E isso significa que a solução governativa teria de ser encontrada de outra forma, mais especificamente na Assembleia, à semelhança do que aconteceu no passado recente. Não sendo necessariamente um drama, é preciso negociar e isso implica cedências que podem, ou não, ser acomodadas no projeto eleitoral de cada um dos partidos.

Então, não havendo uma solução que integre o partido vencedor das eleições é legítimo procurar outra solução, mas não deve ser um nomeado a opinar sobre a utilidade das diligências a efetuar para se encontrar essa solução.

O Representante da República preferiu outro caminho, mas não deixa de ser estranho que partidos que dizem prezar a autonomia tenham deixado as negociações decorrer em Lisboa e com a intrusão de líderes nacionais nos assuntos que dizem respeito aos Açores.

Rui Rio, o principal orquestrador da aliança improvável com um partido da extrema direita, acabou mesmo por admitir a interferência do atual Presidente da República nesse negócio, o que não deixa de ser estranho, porque, pelos vistos, nenhum dos protagonistas desta complicada trama se importa de fazer nos Açores o que diz não aceitar nem querer fazer no continente português.

E o próprio Presidente da República admitiu que esta solução iria ter um custo. Isso quer dizer que estamos a entrar em experimentalismos perigosos.

Mas, nesta embrulhada, foi com enorme estupefação que os Açorianos assistiram ao penoso espetáculo com imensas declarações públicas, seguidas de desmentidos, tanto cá como lá, a um ritmo desmedido, próprio de quem quer ir para o poder a todo o custo.

Creio que tudo isto teria sido escusado, ou seja, não era preciso vender a alma ao diabo nem ultrapassar a tal linha vermelha para conquistar o poder com esta ferocidade.

Num jornal de distribuição nacional podia ler-se, a propósito das Eleições Regionais dos Açores de 2020 e do pacto que se seguiu, que “dar o poder a quem não ganha eleições é doença que afeta as democracias parlamentares”. Não podia estar mais de acordo.