Opinião

Foi uma vez na América

Impossível ficarmos alheados deste processo americano da eleição presidencial. Há quem advogue uma América Trump e uma América pós Trump, mas será que houve alguma vez uma América diferente?

Não creio, nem os recentes acontecimentos à parte a invasão do Capitólio, transmitem esta perspetiva, de um antes e um depois numa América sempre dividida entre Republicanos “democratas” e Democratas “republicanos”. Um poder bipartido que ainda sobrevive à custa de uma federação que faz a diferença e sustenta esta catarse de disputa pelo poder, permitindo pequenos partidos fantasmas nas suas fronteiras.

A ideia de uma democracia ideal, num regime capitalista foi sempre uma falácia. Dentro dos aparentes consensos estiveram sempre os maiores conflitos.

A América só existe num sonho de sucesso; e este sucesso está anexado a status social e não a bem-estar social.

Ignoram-se estas evidências porque o regime capitalista na sua essência dominante subjuga o bem social ao status social.

Não há meio termo, não há outro paradigma. O regime é na sua essência exclusivista; e para o manter, nada melhor do que o aforismo da ordem e do progresso. Ordem para os pobres, progresso para os ricos.

Mas, onde pára o sonho americano, aquele genuíno de saída da pobreza e da aspiração a novo rico? Creio que sempre associado a sangue, suor e lágrimas.

Mas a América continua a auto intitular-se a maior democracia do mundo. Será assim, ou será a melhor autocracia democrática do mundo?

Veja-se os poderes do seu Presidente, veja-se a bipolarização permanente do poder no Senado.

Bem, não será uma autocracia democrática, mas uma “bicracia”. Inventei este termo, porque não encontro outro para descrever a limitação ideológica da classe política dominante, Republicanos por um lado e Democratas por outro, numa fronteira muito ténue entre direita e esquerda “made in USA”. Mas voltemos à América e ao futuro. Nada como dantes ou tudo na mesma? Penso que desta vez algo mudou, ou melhor dizendo algo está a mudar e não porque a América culturalmente ou democraticamente tenha mudado muito; mas porque existe um novo “empower” racial e de género que furou as malhas dominantes e ganhou o espaço que esta democracia devia há muito ter permitido.

Foi uma vez na América que Natália Correia, quando nas suas impressões desta viagem descobre que é europeia (Descobri que era Europeia -Impressões de uma viagem à América, 1- edição Portugália 1951) e traça o perfil da mulher na política americana como; e cito um elemento administrativo mais equilibrado; pondo as melhores esperanças em que a vicepresidência venha a ser ocupada por uma mulher.

Em 244 anos de história democrática nos Estados Unidos tal nunca aconteceu. Com Kamala Harris, setenta anos depois, cumpre-se esta esperança de Natália Correia.

Só faltará agora, também como desejava a grande Natália que esta mulher contribua para por ordem na “casa americana”.