No 475.º aniversário da cidade de Ponta Delgada foi apresentado um projeto com vista à reabilitação da praça Gonçalo Velho Cabral, vulgo Portas da Cidade; projeto que traz o rasgo criativo do Atelier Backlar, mas que não dispensa a participação dos cidadãos, que devem emitir as suas opiniões, ideias, alertas, perspetivas e aportes sobre o mesmo, de preferência devendo fazê-lo de imediato, pois já se percebeu que a Câmara Municipal está a ultimar o processo para lançar a obra a concurso. Calendário que obedece a uma agenda político-pessoal.
Nada me move contra esse tipo de agendas, desde que as obras a realizar cumprem procedimentos transparentes, tenham verbas alocadas para a sua normal prossecução e sejam feitas com rigor construtivo, pois são conhecidas obras que por causa de eleições e legados pessoais, e até de regime - nascem tortas, acabam sem estarem direitas, deixam dívidas por pagar e começam a ser intervencionadas no dia seguinte às inaugurações!
A propósito, também já se conhece o velho “truque” das bonomias institucionais sobre consultas e debates públicos de projetos impactantes, pois, quando se diz que se quer a participação de todos, aquilo que no fundo se pretende é que ninguém participe, para que o projetista não fique irritado com a natureza das alterações, não aumentem os custos previstos, e muito menos se dilatem os prazos de execução!
No caso da intervenção que a Câmara Municipal pretende fazer nas Portas da Cidade, o importante mesmo é não deixar evoluir uma obra no centro histórico, sem que pelo menos se tenha algum questionamento de natureza arquitetónica, histórica, sociológica, económica, paisagística, cultural, rodoviária ou outra, para depois não se dizer - já com os trabalhos a decorrer - que se trata de um assunto de políticos!
Sobre o projeto, ou melhor sobre o seu layout e notícia apresentada neste jornal, na minha modesta e leiga opinião, relevam algumas notas positivas, respigando também algumas preocupações, a saber:
A primeira nota positiva é que o espaço precisa mesmo ser renovado nos seus materiais e funcionalidades, numa tendência que podemos chamar de modernidade, e que se pode enquadrar na já velha expressão –uma cidade para as pessoas; a segunda, tem a ver com o previsto no projeto que impõe a eliminação das duas vias laterais da praça, onde hoje circula trânsito e funciona como serviço de táxis, aumentando-se desta forma o espaço público para fruição dos peões, garantindo-se o acesso ao seu interior a partir das arcadas dos edifícios laterais em plena segurança. A cidade passará assim a ter mais um espaço público onde todos se poderão encontrar para socializar e confraternizar, respeitando o património edificado e simbólico existente.
Como primeira preocupação acho que precisamos mesmo de encher aquela praça com pessoas – locais e turistas - para a potenciar nos seus respaldos de lazer e aí penso que serão necessários alguns serviços, muito para além do quiosque projetado. A Praça do Comércio em Lisboa pode dar algumas ideias, como a instalação de cafetarias e um serviço de esplanadas a partir dos rés-chãos dos edifícios das arcadas?
Também tenho algumas dúvidas sobre a arborização projetada, já que o espaço é muito exposto aos ventos e maresias, pois se for para esperar o seu crescimento raquítico como acontece na avenida marginal, então decorrerão dezenas de anos com a praça desnudada?
Igualmente entendo que a segunda fase da obra deve avançar com algumas cautelas, porque garantir o acesso às Portas da Cidade diretamente do Largo da Matriz e da Praça do Município, implicando o fecho ao trânsito da rua de Santa Luzia, associado aos condicionamentos existentes na rua dos Mercadores, pode trazer três tipos de problemas: trânsito menos fluido nas ruas a montante do centro histórico, menos comércio naquelas ruas e em outras confinantes, pois não devemos esquecer as incertezas do nosso clima e o legítimo comodismo das pessoas, a par da menor segurança que toda aquela zona da baixa histórica - sem circulação de viaturas - pode ficar sujeita, principalmente para quem lá queira transitar fora dos horários diurnos.
Tenho igualmente algumas dúvidas sobre os espaços que os táxis vão ocupar na avenida marginal, pois se os motoristas não tiverem arcadas para o seu resguardo, os seus invernos podem ser longos…para além dos incómodos das suas saídas e entradas ao longo da via, que, certamente, agravarão a fluidez do trânsito naquele eixo estruturante da cidade? Enfim, cada um com a sua ideia…e alguém a ter de decidir com as ideias de todos!