Opinião

Palavras e ações que espelham um País

I – Bolha
Nos últimos dias o termo “bolha” andou na boca das mais altas figuras do Estado Português. O Presidente da República, provavelmente após um período de férias e ainda com efeitos do jet lag, lembrou-se de alertar para a “necessidade de um discurso que as pessoas percebam”. Acrescentando, logo de seguida, que “não se pode dizer que temos que obedecer às regras, fixa-se um limite e depois o limite já não é esse, é outro”. E concretizou: “não é possível dizer que [os adeptos] vêm em bolha para assistir a um espetáculo desportivo e depois não vêm em bolha, não é possível”. No seu registo habitual, ou seja, sacudindo a água para o Governo, mas sem qualquer tipo de responsabilização direta, Sua Excelência lá disse que “tem de haver um discurso”; “aquilo que tem de ser o discurso a fazer perante uma situação tem que bater certo com a realidade”; “porque se de repente há coisas que não batem certo com a realidade há uma perturbação e há uma crítica das pessoas”. E foi, precisa e exclusivamente, pelas tais críticas que Marcelo decidiu juntar-se aos críticos. Acontece que Marcelo é o Presidente da República. E convém ter noção disso. Que sentido faz o Presidente da República vir – perante milhares de ingleses embriagados, sem máscaras e à pancada pela cidade do Porto – lembrar que estava prevista para junho a Festa do Livro no Palácio de Belém, a qual tinha “autorização sanitária para decorrer com a presença de 1500 pessoas ao mesmo tempo, mas que tinha sido adiada? E por decisão de quem, conseguem adivinhar? Marcelo fez questão de dizer publicamente e cito: “Eu disse não, nem pensar nisso!”, e ainda acrescentou “1.500 pessoas é um péssimo exemplo para o país”. E a final da Champions o que foi, Senhor Presidente?

II – Marquise
Outro termo que fez correr muita tinta e deu para horas e horas nas televisões foi “marquise”. Mais concretamente a marquise do Ronaldo. O Correio da Manhã ao fazer capa com a famosa marquise deu o pontapé de saída para mais uma daquelas polémicas que as redes sociais se encarregam rapidamente de elevar a um nível de importância de quase assunto de Estado. Não tardou a aparecer o arquiteto em todas as televisões e jornais a falar em “desrespeito e à conspurcação de forma ignóbil do nosso trabalho”; a seguir começaram a aparecer vários dirigentes da Ordem dos Arquitetos e logo depois entrou em cena a Ordem dos Engenheiros. Perante tamanho alvoroço, lá surgiu a informação de que Câmara Municipal de Lisboa vai levar a cabo uma inspeção ao apartamento do Ronaldo “para averiguar se a marquise colocada no terraço está legal”. É evidente, para todos, que o tema só é assunto público por se tratar de Cristiano Ronaldo. Não considero que o Ronaldo deverá ter um qualquer regime de exceção, seja em termos urbanístico ou outros, mas este exagero sobre uma marquise numa cidade repleta de marquises é demonstrativo de boa parte da nossa sociedade. No meio de tanta intervenção dos mais diversos especialistas; de arquitetos contra arquitetos; de notícias sobre demolição da marquise e da reação das irmãs do Ronaldo, confesso que não dei conta se o Presidente da República já se pronunciou sobre este assunto. Há silêncios que não se percebem… Não vai mesmo dizer nada, Senhor Presidente?