Assistimos nos últimos dias a uma discordância pública entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro. Foram dias de fervoroso debate sobre o assunto. A especulação foi tão grande que as consequências inevitáveis para esta situação eram a demissão do Governo ou a dissolução da própria assembleia. Claramente um exagero de análise.
Apesar de durante os governos de António Costa e a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa assistirmos a uma clara sintonia e respeito institucional, esta não foi a primeira divergência entre ambos e também não foi a primeira do conhecimento público.
Independentemente do assunto e independentemente do que ambos disseram, há vários contextos que podem explicar a dimensão que esta divergência alcançou. Aquele que me salta mais à vista é a enorme legitimidade popular que ambos têm para desempenhar as funções que desempenham.
Eu não me recordo de nenhuma relação entre Presidente e Primeiro-Ministro ter melhorado quando um Presidente exercia um segundo mandato. Muito pelo contrário!
Outro contexto, parece-me ser o de Marcelo querer assumir-se como a pessoa que lidera a oposição ao atual Governo de António Costa. Aliás, se recuarmos no tempo, oposição foi praticamente o que Marcelo fez na sua vida política.
Portanto, dentro da normalidade que é haver divergências entre órgãos de soberania aquilo que não é muito comum é assistirmos a divergências desta dimensão entre estes dois intervenientes
E tendo consciência de tais fatos, confesso que vi esta situação com toda a naturalidade. Não me fez qualquer confusão esta divergência. Aliás, é com naturalidade que prevejo que mais algumas poderão surgir.
A história mostra-nos essa naturalidade e não tenho dúvidas que desta vez não será diferente.
(Crónica escrita para Rádio)