Opinião

"Nada nesta vida se consegue sem trabalho"

Das histórias que o meu avô contava, as que mais me fascinavam eram, sem dúvida, aquelas em que as personagens principais eram as “rêses”. Contava como 20 vacas de leite sustentaram uma família de 4 filhos; como os caminhos, por entre o mato, eram percorridos numa égua malhada, que sabia os caminhos de cor. E, assim, lá ia ele! Saía de casa pelas 4 da manhã, com a sacola do pão ao ombro e a esperança de um bom dia no coração, e de regresso à sua família no final do dia.

Na labuta dos dias, contruiu a sua vida, o seu património, viu os seus filhos construírem a sua vida, ligados às suas raízes e valores: o respeito pelo próximo, pela Terra e pelos animais, e pelo trabalho. Cresci ouvindo “na vida nada se consegue sem trabalho” e que “educação vem de berço”. Filhos e netos foram educados para trabalhar.

Um dos Homens que mais admiro, de uma capacidade de resiliência, que nos inspirava a todos e que continua a inspirar através da sua memória. A melhor herança que nos deixou foi, sem dúvida, o ensinamento, a inspiração e os valores.

Sou neta, filha e sobrinha de agricultores, com muita honra e muito orgulho. Moldaram a minha essência e as minhas escolhas levando a que hoje, eu seja quem sou: Medica Veterinária de formação e Agricultora de profissão. Acredito e tenho muita fé neste setor.

Mas tal como eu, muitos outros jovens agricultores, cresceram ouvindo as melhores e mais duras histórias de vida, uma vida dedicada à agricultura. Vimos os nossos avós e pais trabalhando arduamente, num setor fundamental para a economia da região, para que o nosso sustento, a nossa educação e a nossa formação estivessem asseguradas.

Crescemos vendo a evolução dos tempos, acompanhamos a evolução das práticas agrícolas. Em 20 anos, passamos do leite em bilhas, para o leite em tanque de refrigeração na própria exploração. Passamos do cavalo, para o trator e para as carrinhas pick up. Passamos das canadas em calçada para os caminhos agrícolas, alguns deles em piso permanente. Passamos dos tanques aos reservatórios de água.

A convergência real da Região Autónoma dos Açores, tanto a nível nacional como a nível comunitário, deu-se em finais da década de 90, através do impulso dos fundos europeus.

É normal e expectável essa evolução, é o acompanhar dos tempos, mas também, fruto da resposta estratégica e visionária de quem nos governou. É, também, sinal de valorização e respeito por quem trabalha na Agricultura, que tem direito a melhores condições de trabalho.

Os investimentos nas infraestruturas agrícolas, como caminhos agrícolas, abastecimento de água e eletrificação das explorações são essenciais e devem constituir uma prioridade na ação governativa, pois facilitam e dignificam o trabalho diário dos nossos Agricultores. São investimentos fundamentais na sustentabilidade económica das explorações e que não podem parar.

Numa região pequena, insular e dispersa como a nossa, onde a agricultura representa um dos pilares basilares socioeconómicos da região, para além de produzir produtos de valores acrescentado, fazendo uso dos recursos naturais duma forma sustentada e equilibrada, através das nossas pastagens, levando o nome dos Açores além-fronteiras e, potenciando, o melhor cartão visita das nossas ilhas.

O que se espera para os próximos anos?

Que quem nos governa não continue a deixar esta herança ao abandono, como tem acontecido nestes últimos 3 anos, desvalorizando e prejudicando o trabalho diário dos nossos Agricultores.

Porque o contínuo desenvolvimento dos Açores passa por uma agricultura forte e competitiva, capaz de enfrentar as dificuldades que possam surgir, permitindo que este setor tenha futuro e possa dar confiança às gerações que se seguem.

Só dessa forma, podemos honrar os nossos antepassados, o seu trabalho, os seus ensinamentos, os seus valores.

Só dessa forma podemos, um dia, vir a ser exemplo para os que nos seguirão!

Dedico este texto à memória do meu avô, que no próximo dia 17 de agosto completaria 100 anos.

Todos os dias luto por aquilo em que acredito, faço-o em memória dele, por todos os homens e mulheres desta vida da agricultura e, também, para que os meus filhos possam perceber a vida dos seus pais e as suas origens.

“Na vida nada se consegue sem trabalho!”