Comemora-se, por estes dias e nos mais diversos fóruns, o centenário do nascimento de Mário Soares. Haverá por certo quem dele guarde o melhor, outros a indiferença, mas poucos serão capazes de não o recordar como um homem que muito contribuiu para a conquista da nossa liberdade e para a construção da nossa democracia. Era um homem de palavra, responsável, era um homem de coragem, alguém que decidia e executava, assumindo sempre as consequências das suas decisões, fossem elas populares ou impopulares, simples ou solicitadas. Não raras vezes antecipava que perderia votos, apoios ou até amizades, mas nada que o fizesse desistir de lutar pelas suas convicções e por aquilo que entendia ser o melhor para o País.
E quanta falta fazem homens (e mulheres) desta fibra, no contexto atual da nossa sociedade...
A liberdade, essa pela qual tantos lutaram para conquistar e preservar, por vezes, parece fragilizada diante das pressões das novas tendências, que na sua essência nos incutem um pensamento comum, convergente, e de preferência inquestionável.
Para mim, que sou uma fervorosa adepta da diversidade, as diferenças de ideologias, de pensamento, crença, idioma, etnia ou religião, são na verdade oportunidades valiosas de aprendizagem e desenvolvimento. Estas diferenças não nos enfraquecem; aliás, estas diferenças não deveriam nunca ser motivo para a calúnia, para a crítica gratuita, para o discurso de ódio, para o escárnio, para o desrespeito, para a animosidade, no fundo, para trazer ao de cima o pior que existe dentro de cada um de nós. Pelo contrário, é do debate das divergências que saem os melhores contributos para alcançar novos patamares de entendimento e evolução da humanidade.
Discordar não significa apenas ser do contra; é também um exercício de humildade e coragem. A capacidade de reformular opiniões diante de novos argumentos é o que nos distingue de uma postura meramente reativa e permite a construção de pontes entre ideias opostas. Neste sentido, acredito que o debate, sustentado por ideias sólidas e bem fundamentadas, eleva o discurso público e fortalece as causas maiores que defendemos.
Reconheço, no entanto, que a ganância, o ego exacerbado, a arrogância, a deselegância, em suma, a insegurança e frustração de alguns, são forças poderosas que podem facilmente corromper até os cenários mais promissores. Essas características, infelizmente, podem minar atitudes e conquistas relevantes para o bem-estar do cidadão comum, levando à desconfiança, à desunião e, por vezes, ao retrocesso.
No dia em que deixarmos de lutar por uma sociedade em que a diversidade de pontos de vista é bem vista e incentivada, abriremos caminho à submissão, ao silêncio e ao conformismo. Se permitirmos que o diálogo seja substituído por um discurso unilateral, que o pensamento se transforme em mera informação e que a palavra seja reduzida a um sussurro, perderemos não apenas a liberdade, mas também a alma da nossa história.
Precisamos, mais do que nunca, que as futuras gerações reconheçam a importância de figuras como o Dr. Mário Soares e outros que, com coragem, lutaram pela liberdade, pois é nela que reside a essência da nossa humanidade e da nossa história.
Mas tudo isto só fará sentido, se nós, adultos, trouxermos para o presente, os valores que conquistamos no passado, de forma comprometida e responsável, dignificando e honrando o enorme legado com que fomos presenteados.
Citando Mário Soares, “(...) Sem liberdade política nada se passa, só se entra, a prazo, em decadência. (...)”.
Haja saúde e liberdade!
P.S - Que as festas tragam o brilho de novos recomeços e que o ano que chega seja um livro em branco onde cada um de vós seja autor e protagonista.