Opinião

Soares

O país assinalou o centenário do nascimento de Mário Soares, que foi um homem solar, ao contrário do seu país, mais atreito a ciclos lunares, gemidos a fado. O seu proverbial otimismo, a sua persistência e coragem, fizeram com que sorvesse e moldasse os episódios históricos dum conturbado século XX, cujo curso marcou e influenciou.
A liberdade, a liberdade física, que tanto incomoda todos os autoritarismos, sempre foi uma necessidade vital. Conquistada esta, era imperativo garantir a liberdade com direitos. Por isso oposicionista, resistente, republicano e socialista democrático, pois o comunismo para ele foi só a doença infantil da esquerda democrática... O que nunca o impediu, aliás, e no tempo de estios quentes, de defender o PCP, quando queriam voltar a ilegalizá-lo - e de defender o CDS, desde o cerco no Palácio de Cristal até levá-lo para o II Governo ... para normalizar a Democracia!
Quando o sovietismo dividia o mundo e a europa, e a sua vulgata era um modismo cultural, meteu o socialismo na gaveta... Quando, desmentido o fim da História, viu o ultraliberalismo refermentar, sem contrapesos, pregou as esquerdas e a necessidade da sua união: Soares não mudou, o mundo é que se deslocou perigosamente para a direita!
Soares, também e ainda, o intelectual das luzes e da razão, num tempo em que a política reclamava uma teoria e não era um catavento de emoções voláteis: o Soares dos livros, o escrevente do "Portugal amordaçado", o combatente da palavra, o amante de todas as artes; mas também o líder que sabia que tinha que se rodear dos melhores... embora soubesse, de ciência  certa, que os melhores dão muito trabalho!
Por tudo isto, Soares consegue ser tão deste tempo - deixando-nos saudades da primazia dos princípios, das ideologias, da Coragem e da República dos melhores, tudo afinal necessidades dos tempos todos...