A digitalização na educação tem revolucionado o ensino e a aprendizagem, oferecendo novas perspetivas e oportunidades. Contudo, o caminho não é isento de desafios, sobretudo quando falamos da equidade no acesso à tecnologia. A transição dos “manuais em papel” para os “manuais digitais” é um exemplo emblemático desta digitalização que ilustra bem os avanços e os entraves que enfrentamos.
Na Região Autónoma da Madeira, a introdução de manuais digitais foi pioneira, iniciando-se no ano letivo 2019/2020 com todas as turmas do 5.o ano. O objetivo traçado é o de abranger os alunos do 5.o ao 12.o ano até 2025/2026. Os primeiros estudos mostraram que o uso destes manuais contribuiu para um aumento de 2,5% no aproveitamento escolar, com ganhos mais expressivos em Matemática (4,3%), Ciências (2,4%) e Português (2%). Este modelo de implementação faseada, denominado “mancha-de-óleo”, tem-se revelado o mais ajustado, por permitir corrigir os erros detetados no decorrer do processo, com base numa abordagem estruturada e exemplar.
Em Portugal Continental, o projeto-piloto dos manuais digitais iniciou-se em 2020/2021 e tem sido alvo de estudos regulares. Resultados apresentados em 2024 pela Universidade de Aveiro revelaram um impacto positivo nas notas dos alunos, mas também destacaram que os estudantes em situações socioeconómicas mais desfavorecidas são os que menos beneficiam destes recursos.
Paralelamente, movimentos como “Menos Ecrãs, Mais Vida” alertaram para a insatisfação dos pais e encarregados de educação, defendendo um regresso parcial aos manuais em papel.
Por cá, na Região Autónoma dos Açores, o panorama é mais preocupante. A experiência-piloto iniciada em 2021/2022 foi alargada em 2022/2023, abrangendo os 5.o e 8.o anos, mas os resultados destes projetos nunca foram devidamente analisados ou divulgados.
Os poucos questionários realizados apresentaram apenas dados quantitativos, sem qualquer reflexão crítica. Por outro lado, inquéritos realizados pela Federação das Associações de Pais dos Açores (FAPA) mostraram que os alunos reconhecem benefícios na motivação e atenção, mas preferem o uso conjunto de manuais digitais e em papel.
Perante este contexto, é incompreensível que apenas agora, 2025, altura em que a maioria dos níveis de ensino já foram abrangidos pelo projeto de implementação dos Manuais Digitais (à exceção dos 11o e 12o anos), o Governo Regional dos Açores anuncie a necessidade de um estudo para avaliar o impacto desta medida. Esta decisão, para além de tardia, é um reflexo de uma implementação apressada, mais preocupada em cumprir o financiamento do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) do que em garantir um processo eficaz e bem fundamentado.
É urgente realizar uma avaliação séria, isenta e rigorosa que permita compreender os impactos reais da digitalização no ensino regional. Este estudo deve estar concluído até ao final do ano letivo 2024/2025, para que o próximo ano letivo inicie com base em dados sólidos e credíveis. Não podemos comprometer a aprendizagem dos nossos alunos devido à falta de planeamento e monitorização.
Se queremos que a digitalização na educação seja um verdadeiro fator de transformação, temos de garantir que todos os intervenientes — alunos, professores e famílias — têm condições e competências adequadas para aproveitar plenamente esta transição. Caso contrário, a tecnologia será apenas mais
um instrumento a agravar desigualdades e não um motor de mudança.
Com tantos estudos, com tanta bibliografia, com tanto pergaminho, com tantos experts na matéria, é difícil de perceber porque continuamos a subestimar a educação, quando dúvidas não restam de que só através de uma educação de qualidade, conseguiremos alavancar o desenvolvimento da nossa sociedade e combater a pobreza e as desigualdades sociais.
Até quando?