Versão integral da intervenção do presidente do Governo, Carlos César, na abertura, hoje no Funchal, da XIII Conferência de Presidentes das Regiões Ultraperiféricas (RUP) da Europa:
"Começo por dirigir uma saudação amiga, e muito especial, ao Senhor Presidente da Conferência das Regiões Ultraperiféricas, Alberto João Jardim, agradecendo a excelente recepção e as óptimas condições facultadas para o desenvolvimento dos nossos trabalhos. Não podia, aliás, ser de outra forma, dada a simpatia natural do nosso anfitrião e dada a tradição da excelência da R.A.M. no acolhimento aos seus visitantes.
O empenho e a dedicação que, desde que assumiu a presidência, há precisamente um ano, tem dedicado à realização desta Conferência e à defesa dos interesses comuns das Regiões Ultraperiféricas da União Europeia devem ser, desde já, enaltecidos e encarados como um prenúncio do sucesso que, estou certo, informará mais esta Conferencia, a décima terceira, dos Presidentes das RUP.
Cumprimento também o Senhor Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde, verificando com grande satisfação a sua presença pessoal neste fórum europeu, em que Cabo Verde é bem-vindo como arquipélago irmão imbuído de uma profunda ligação à história social e económica macaronésia, portuguesa e da Europa. Acrescem, ainda, as semelhanças que resultam da configuração física deste jovem país do Atlântico médio, bem como da sua mais-valia estratégica no plano internacional, da projecção europeia, das suas capacidades na potenciação na relação euro-africana, da sua funcionalidade transatlântica e, em geral, da sua posição, podemos dizê-lo, fronteiriça.
Como tal, o processo de construção de uma "parceria especial" entre a República de Cabo Verde e a União Europeia deve encontrar especiais condições para ser implementado através do aprofundamento das relações de amizade e cooperação com as Regiões Ultraperiféricas da Europa.
Recordo e renovo, por isso, neste momento, o teor do memorando de entendimento assinado entre o Governo da República de Cabo Verde e o Governo dos Açores, no âmbito da visita do Primeiro Ministro José Maria das Neves à Região Autónoma dos Açores, no passado mês de Maio, pelo qual é salientada a importância do estreitamento das nossas relações, visando criar um espaço de promoção e defesa de valores civilizacionais comuns, bem como de desenvolvimento económico sustentável e duradouro dos nossos territórios.
Por outro lado, o facto de se alargarem os trabalhos dessa Conferência à participação de autoridades que não apenas as das RUP, dos seus Estados-Membros e da Comissão Europeia, constitui, também, um acontecimento a saudar, e a repetir, reforçando a decisão de se incrementarem os laços de cooperação com outras Regiões da União Europeia, com as quais temos afinidades e interesses partilháveis.
Abrimos, assim, as portas a novas áreas de colaboração e interesses, construindo novas pontes para outras Regiões, dentro e fora da União Europeia, prestigiando a nossa condição institucional dentro da União, transmitindo notoriedade e consolidando o conceito de ultraperiferia, o que se mostra crescentemente importante no seio de uma Europa a 27 que revela já grandes tensões pré-reformistas e inevitáveis necessidades de uma refundação afectiva e de horizontes.
Ora, o ano que marcou esta Presidência da nossa Conferência, desde a reunião de Guadalupe, foi, a vários níveis, de grande importância e relevância para o futuro da União Europeia e, em particular, das Regiões Ultraperiféricas.
No plano institucional e político europeu realça, obviamente, o relançamento do processo de reforma dos Tratados - essencial para a dinâmica presente e futura da construção europeia e, sobretudo, do seu funcionamento eficaz como Europa "Alargada".
O claro mandato do Conselho Europeu, no sentido de se manterem as decisões acordadas na Conferência Intergovernamental de 2004 relativamente às regiões Ultraperiféricas é, neste âmbito, certamente, um motivo de satisfação.
Mas não só. Também a manutenção dos artigos aprovados pelo Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa - em relação aos quais o mandato é claro na transição para a futura redacção do Tratado da União Europeia - tendentes, nomeadamente, ao reforço da coesão económica, social e territorial, ao respeito pelas competências locais e regionais, bem como à aplicação do princípio da subsidiariedade e ao seu controlo pelos parlamentos nacionais, não pode deixar de ser encarada como muito positivo para as nossas pretensões, pelas quais em tantas ocasiões temos lutado.
Outro ponto marcante foi, certamente, o processo de consulta pública sobre o Livro Verde da Comissão relativo à futura Política Marítima Europeia, que teve, é bom lembrá-lo, uma ampla e oportuna participação e acompanhamento das Regiões Ultraperiféricas.
Sobre este assunto, a visão açoriana da futura política marítima europeia foi entregue à Comissão em Julho de 2006, e, depois, discutida e abordada nos mais diversos fora europeus. Esta perspectiva insular, atlântica e ultraperiférica apela, em suma, por um lado, ao reconhecimento do papel efectivo e relevante que algumas regiões - como os Açores - têm tido na governança dos assuntos do mar, bem como, por outro, à necessidade de se garantir que as suas políticas sustentáveis e boas práticas ambientais serão respeitadas e partilhadas pela União Europeia.
As características e condicionantes das regiões ultraperiféricas, mas acima de tudo as suas mais-valias em termos de dimensão territorial marítima, biodiversidade e potencialidade no desenvolvimento de novas tecnologias, reclamam medidas positivamente diferenciadoras, por forma a dar-se o merecido destaque à dimensão e potencialidades da ultraperiferia europeia.
Assim, findo o período de consulta, fruto do labor das nossas regiões, esta perspectiva ultraperiférica de uma futura Política Marítima da União ficou consagrada e referida também, por exemplo, na posição nacional do Estado português, nos pareceres do Comité das Regiões, do Parlamento Europeu, da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa e, finalmente, fechando um ciclo, na posição comum das RUP, expressa nas conclusões do projecto RUPMER.
Aguardamos, pois, com expectativa o Plano de Acção e a Comunicação sobre os resultados da Consulta Pública sobre a Política Marítima Europeia e continuaremos a seguir e a contribuir activamente para a sua concretização, não tendo dúvidas de que, sobre este assunto, as Regiões Ultraperiféricas da Europa marcaram, efectivamente, o seu lugar e demonstraram serem parceiros privilegiados - e obrigatórios - para a sua implementação futura.
A recente Comunicação da Comissão sobre a evolução e balanço da estratégia da União Europeia a favor das RUP, representa, também, um marco importante a salientar, pela relevância que poderá revestir o seu desenvolvimento futuro e pelo interesse que demonstra, por parte da União Europeia, em relação à realidade e problemas da ultraperiferia europeia.
Apesar das Regiões não terem sido associadas à sua elaboração - o que pode ser apontado, e a meu ver é, desde logo, como um factor menos positivo - não deixaremos de assumir a nossa obrigação no salientar das suas fragilidades e virtudes, mas, acima de tudo, no avocar da responsabilidade de apontar caminhos para o futuro no desenvolvimento económico e social das nossas regiões.
Com este objectivo, será lançado, nos Açores um amplo processo de debate, discussão e auscultação às forças vivas da sociedade civil, com vista à apresentação de uma posição consensualizada e fundamentada, bem como para contribuir activamente para um documento comum das RUP.
A Comunicação sobre as RUP representa, todavia, um exemplo claro da importância e relevância do trabalho de coordenação da Unidade Regiões Ultraperiféricas da DG Régio, na parceria da Comissão com as nossas Regiões. Não podemos, por isso, deixar de expressar aqui um voto para que o seu trabalho se mantenha e se renove por muito anos, sendo de primordial importância que os rumores relativos à sua extinção não passem de suspeitas sem fundamento como nos tem sido superiormente garantido.
Mas a defesa de um serviço específico no seio da Comissão dedicado à ultraperiferia não deve significar, nunca, uma diminuição das nossas responsabilidades sobre o futuro das nossas regiões - nunca ouvi falar de ninguém melhor do que as nossas Regiões Ultraperiféricas para defender e lutar pelas Regiões Ultraperiféricas.
Neste sentido, cabe à Conferência, para além de marcar a sua posição sobre os problemas que ainda subsistem, olhar para o futuro e, entre nós, lançar e aprofundar a cooperação em áreas fundamentais para o desenvolvimento e o progresso dos nossos territórios.
É, por isso, essencial, lançar projectos inovadores, aproveitar as nossas potencialidades e defender as nossas mais-valias, como por exemplo, através de iniciativas de cooperação nas áreas da biodiversidade, das energias renováveis ou da protecção e gestão dos recursos, habitats e espécies marinhas, mas também em matérias como os riscos naturais e protecção civil ou, ainda, na aproximação e união das populações das nossas regiões, promovendo a mobilidade profissional e juvenil.
Este olhar prospectivo e esta visão positiva da realidade ultraperiférica não significa, porém, um menor interesse pelos condicionalismos e pelos problemas com que nos deparamos no desenvolvimento económico e social das nossas Regiões, os quais reclamam, sempre, por força daquelas circunstâncias e do Tratado da União Europeia, a adaptação e modelação das políticas comunitárias.
A proposta de directiva, por exemplo, que visa a integração do sector da aviação no regime do comércio de emissão de licenças de CO2, é um exemplo claro de como uma política da União Europeia, caso não atenda às especificidades das RUP, poderá ter um efeito gravemente perverso no seu desenvolvimento económico, considerando o previsível subsequente aumento das tarifas aéreas e a total dependência destes territórios face aos transportes aéreos nas ligações, tanto com o exterior como, em alguns casos, entre as suas ilhas.
Outro assunto que interessa salientar é a questão da pretensa metodologia de avaliação dos sobrecustos da ultraperificidade, sendo claro - e nunca será demais repetir - que a natureza teórica e a sua fraca adaptabilidade prática desaconselham a sua aplicação, levando-nos a concluir que as ajudas comunitárias devem continuar a ser concedidas com base em propostas objectivas das autoridades regionais, baseadas nos condicionalismos próprios de cada região.
Não podemos, por outro lado, deixar de reclamar toda uma série de medidas justas e adequadas à resolução de problemas que ainda persistem, como por exemplo, no âmbito do regime especifico de abastecimento, para atenuar a escalada de preços dos produtos e das matérias-primas essenciais ao abastecimento das RUP's e ao desenvolvimento das suas actividades económicas; no que diz respeito ao futuro da política agrícola comum, consagrar um nível adequado de flexibilidade e a continuidade no acesso a um envelope financeiro adaptado às necessidades dos sectores agrícolas e pecuários, bem como realçar a importância da flexibilidade na definição e gestão dos limites administrativos impostos às produções tradicionais, onde as regiões ultraperiféricas têm vantagens comparativas, devendo ser permitido o desenvolvimento em função das suas potencialidades, dentro dos limites de sustentabilidade ambiental.
Por fim, realçamos, igualmente, alguns pontos relativos ao sector piscatório. Refiro-me à necessidade de se criar um programa específico de renovação e modernização das frotas de pesca das RUP (permitindo a melhoria das condições de trabalho, de segurança e dos meios de conservação de pescado nas RUP), à necessidade de se implementar o programa POSEI de forma definitiva (dado que os condicionalismos a que os profissionais da pesca estão sujeitos são de natureza estrutural e permanente) e, não menos importante, enquanto não existir uma avaliação científica do potencial dos recursos marinhos nas Zonas Económicas Exclusivas adjacentes às RUP, reservar tendencialmente aquelas águas para as suas frotas locais, em cumprimento do principio da precaução definido na politica comum de pescas
Temos - as nossas Regiões - razões para ser optimistas no processo do nosso desenvolvimento e da nossa convergência com os padrões europeus. Temos, porém, que gerir essas nossas realidades e ambições com os olhos postos nos processos de decisão externos que nos influenciam directamente. É o que estamos a fazer hoje; é o que devemos fazer sempre".
GaCS/AP/PGR