André Bradford apresentou esta quinta-feira à Assembleia Legislativa dos Açores, em nome do PS/Açores, o seguinte voto de protesto, aprovado por unanimidade, que se transcreve na íntegra:
VOTO DE PROTESTO
No passado dia 21 de junho, faleceu, em S. Jorge, na sequência de um traumatismo craniano grave sofrido numa tourada à corda, um homem de 62 anos, enquanto aguardava que se concretizasse a sua evacuação médica por meios aéreos.
Quarenta e cinco minutos depois do acidentado ter dado entrada no Centro de Saúde de Velas e de ter sido avaliado por uma equipa médica, foi solicitada uma evacuação aérea emergente às Operações da Base Aérea Nº 4. Porque o helicóptero EH101 Merlin se encontrava envolvido numa operação de busca e salvamento ao largo da Madeira e porque foi considerado que a aeronave C-295 não poderia realizar a operação por alegadas limitações de certificação em voo noturno do aeródromo da Ilha de São Jorge, a necessária evacuação aérea não se chegou a realizar. Foram então feitas diligências para que a evacuação aérea pudesse ser realizada a partir da ilha do Pico, depois de assegurado o transporte marítimo do acidentado para aquela ilha. Entretanto, e lamentavelmente, o paciente veio a falecer sem nunca ter chegado a sair de S. Jorge.
Perante os dados inicialmente disponibilizados, poder-se-ia pensar que se tratou de uma infeliz coincidência, por um lado, e que, por outro, os jorgenses estariam penalizados no que diz respeito ao acesso emergente aos hospitais de referência por limitação da iluminação da pista do seu aeródromo. Mas, como os açorianos foram percebendo aos poucos, a história estava mal contada e a verdadeira razão para o que aconteceu em S. Jorge era de outra ordem.
Primeiro, porque a questão da iluminação do aeródromo de S. Jorge não é impeditiva da operação de aeronaves militares para efeitos de evacuações aeromédicas, que aliás já aconteceram em condições semelhantes na ilha das Flores. De acordo com o manual de informação sobre a pista, disponibilizado pela NAV, a pista de S. Jorge possui iluminação de aproximação e fim de pista, iluminação lateral e ainda dois outros tipos de iluminação de apoio à navegação.
Depois, porque, como veio a confirmar o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, e apesar de dispor de dois helicópteros do tipo EH-101 estacionados na Região, a Zona Aérea dos Açores tem ao seu serviço apenas uma tripulação completa e certificada, o que significa que não tem meios humanos suficientes para utilizar plenamente os recursos técnicos existentes. Se houvesse uma segunda tripulação, como aconteceu até final de 2013, a evacuação do acidentado de S. Jorge poder-se-ia realizar logo após ter sido solicitada.
Perante esta clara negligência da República, que deixa os açorianos das ilhas sem hospital entregues à sorte e ao azar em caso de emergência, o Senhor Ministro da Defesa Nacional recusou-se a assumir as suas responsabilidades políticas e procurou transferir as competências relativas a evacuações médicas para o Governo Regional. “A competência da Força Aérea nos arquipélagos é de busca e salvamento”, ao passo que “as evacuações médicas são uma competência regional e para a qual existe um protocolo de colaboração”, afirmou o Ministro Aguiar Branco, para depois acrescentar que, por isso, são feitas “na medida da disponibilidade dos meios”.
Além da insensibilidade e da falta de coragem política que revelam, as declarações do Senhor Ministro da Defesa atestam um enorme retrocesso em relação às responsabilidades que o Estado, por via das Forças Armadas estacionadas na Região, sempre assumiu no que respeita à segurança e proteção das populações dos Açores, reconhecendo as evacuações médicas como uma missão vital da Força Aérea numa Região condicionada pela distância, dimensão e dispersão das suas ilhas.
As declarações do Ministro Aguiar Branco assumem um patamar de especial gravidade pelo facto de o Ministério da Defesa Nacional ter a obrigação de ter um conhecimento profundo da disponibilidade de meios das Forças Armadas na Região, o que decorre das suas competências, mas também por ter na sua estrutura dirigente uma responsável política conhecedora da realidade regional.
Os Açorianos habituaram-se a ver na Força Aérea, assim como no Exército e na Marinha, preciosos auxílios nas horas difíceis, em situações de emergência e de catástrofe, parceiros fundamentais para assegurar a resposta necessária às limitações da nossa geografia. Só em 2013, por exemplo, e ao abrigo das mesmas diretrizes atualmente existentes, foram efetuadas 156 missões de evacuação inter-ilhas e transportados 176 doentes.
Bastam estes dados para atestar o elevado nível de profissionalismo e mesmo de empenho pessoal que os militares dos três ramos das Forças Armadas sempre demonstraram no desempenho das suas missões, valores que foram, algumas vezes em situações de angústia, alvo de reconhecimento de todos os Açorianos.
É por isso que não podem compreender nem aceitar que, perante um caso evidente e infelizmente trágico de irresponsabilidade da tutela política das Forças Armadas na Região, a resposta do Senhor Ministro Aguiar Branco seja uma declaração unilateral de abandono.
Assim, nos termos regimentais e estatutários aplicáveis, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprova um voto de protesto, manifestando-se veementemente contra:
1. O facto de a Força Aérea na Região não dispor de meios humanos suficientes, nomeadamente de pilotos-comandantes, para poder utilizar de forma plena os meios aéreos existentes, com claro prejuízo para a segurança dos Açorianos das ilhas sem hospital;
2. As declarações insensíveis e irresponsáveis do Senhor Ministro da Defesa Nacional que, perante o lamentável caso da morte de um jorgense que necessitava de evacuação médica urgente, se limitou a transferir as responsabilidades para a Região, tentando, em simultâneo, disfarçar a falha direta do seu Ministério ao não assegurar os meios e a capacidade de atuação da Força Aérea nos Açores.
3. A falta de garantias de que o problema se resolverá de imediato, permanecendo os Açorianos das ilhas sem hospital na dependência da sorte por desinvestimento do Governo da República em meios humanos qualificados.
4. A recorrente insensibilidade do Governo da República para com as especificidades dos Açores, que, neste caso concreto, põe em causa as próprias missões essenciais da Força Aérea na Região.
Deste voto deve ser dado conhecimento ao Presidente da República Portuguesa, ao Primeiro-Ministro de Portugal, ao Ministro da Defesa Nacional e ao Chefe de Estado Maior das Forças Armadas.