Voto de Pesar pela morte de Mário Soares apresentado na sessão evocativa

PS Açores - 17 de janeiro, 2017
A evocação, de forma solene e plural, do percurso cívico e político de Mário Soares, por ocasião do seu recente falecimento, é um tributo justo à memória de um dos pais fundadores da Democracia portuguesa e uma forma deste Parlamento, no prosseguimento da sua missão de representação dos valores do povo Açoriano, homenagear os valores da liberdade, da tolerância e da dedicação ao bem comum, que sempre nortearam a ação política de Mário Soares. A forma convicta e desassombrada como sempre se bateu pela causa democrática, por uma sociedade livre, plural e aberta, no Portugal autoritário e intolerante de Salazar e Caetano, mas também no pós-25 de Abril, fazem de Mário Soares o exemplo mais perfeito do homem de causas e convicções, em nome do interesse comum e na defesa dos direitos, liberdades e garantias, públicas e individuais. Assumindo-se sempre como político, apesar de, como ele próprio escreveu, “ter exercido diversas profissões, de acordo com as circunstâncias do tempo e do lugar”, Mário Soares foi o principal agente da implementação e, logo em seguida, da consolidação do regime democrático que a todos nos reúne nesta casa e que nos obriga ao respeito mútuo, à tolerância e à fidelidade à nossa missão de sermos agentes do bem comum. Dedicou a sua vida – não só a vertente política da sua vida, mas também a pessoal e familiar – à missão de fazer de Portugal uma “terra de liberdade”, onde ninguém pudesse ser perseguido, preso ou censurado por pensar e por dizer o que pensava. Fê-lo, ao longo da sua vida, a partir de diferentes posicionamentos ideológicos, com avanços e retrocessos, que evoluíram no pós-Guerra para o socialismo democrático. Fê-lo, primeiro, contra o jugo salazarista, com risco da sua integridade física, da sua vida pessoal e familiar e da sua carreira. Fê-lo mais tarde, contra o outro lado do espectro político, quando os resistentes comunistas do salazarismo ameaçavam, em pleno processo revolucionário, transformar-se nos autoritários líderes de uma nova opressão. Na fase quente da redefinição do xadrez político-partidário do pós-25 de Abril, quando a hegemonia das esquerdas parecia comprimir e ameaçar a afirmação da direita democrática, Soares percebeu a importância de um sistema que garantisse margem de implementação ao centro-direita e ao conservadorismo moderado, de modo a que a Democracia se fizesse plena e irreversível. Num contexto de instabilidade permanente, em que a fragilidade do processo democrático em curso se tornava notória a cada instante, Soares foi um dos principais avalizadores da resistência do ideal democrático e da sua concretização sem concessões. Participou inclusivamente em soluções governativas – pouco eficazes, é verdade – com as direitas sempre que isso significou reforçar a solidez do edifício democrático. Paralelamente, desenhou a aproximação do novo Portugal democrático à Europa comunitária, como veículo de modernização do país, mas também como forma de reforçar externamente a validade da solução democrática portuguesa. Em 1989 quando esteve nos Açores, Soares afirmou, a este propósito, “a Europa, que nos Açores tem a sua fronteira oeste mais extrema, será, aliás, tanto mais rica e afirmativa quanto melhor souber garantir a diversidade e evitar qualquer tipo de uniformização ou de dissolução das diversas identidades em presença”. E tinha razão, como os tempos vêm demonstrando. Mais tarde, em 2008, defendeu a importância de colocar “a Região Autónoma dos Açores no mapa do pensamento sobre relações internacionais e da estratégia atlântica”, e tinha razão! Na intervenção que fez no "I Fórum Açoriano Franklin Roosevelt", reforçou que os Açores, “como ponte natural entre as duas costas do Atlântico - num Oceano que fala há muitos séculos português - ao refletir sobre a estratégia geopolítica e sobre o pensamento político democrático, estão a dar um contributo importante, atualíssimo e a tornar-se uma referência euro-Atlântica, singular, que não devemos menosprezar”, citei. Acreditando na ‘grandeza’ de Portugal, percebeu, onde outros só viram riscos para a unidade e soberania nacionais, a importância de conformar a estrutura constitucional à geografia humana do país, participando ativa e decisivamente, enquanto dirigente partidário e responsável governativo, na consagração constitucional da solução autonómica. Foi um admirador confesso de alguns ilustres açorianos – como Antero de Quental e Natália Correia – mas foi também um apaixonado convicto pelas nossas ilhas, pelas nossas tradições, paisagens e gastronomia. Essa relação ficou patente nos 14 dias em que percorreu todas as ilhas dos Açores, tendo sido, então, o primeiro Presidente da República a pernoitar no Corvo. Para nós, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Mário Soares foi também (e continuará a ser) uma referência ideológica e partidária - talvez a maior de todas - enquanto defensor do aprofundamento da Democracia nas suas dimensões económica e social, para que nos lembremos sempre que, como ele afirmou em 1976, “o socialismo não é uma abstração. Para nós, o socialismo é libertarmos este nosso povo da angústia do dia de amanhã”. Em todo o seu percurso político, Mário Soares foi pragmático sem deixar de ser profundamente ideológico, sempre na procura da forma mais eficiente de implementar o seu ideário e dar concretização às suas convicções. Como ele próprio se definiu, em entrevista concedida à jornalista e amiga Maria João Avillez, “Sou uma pessoa naturalmente conciliadora e dialogante. Como tal, negoceio até poder, com paciência, boa-fé e persistência. Mas quando me convenço que a situação está bloqueada e sinto que não é possível avançar, quando me vejo encostado à parede, então, luto. Luto até ao fim, sem tergiversações. Porque sou também, como sabe, um homem de convicções e de carácter, que conhece bem o caminho que deve percorrer. Como se viu - contra o fascismo, o marcelismo, o gonçalvismo e por aí fora...”. Mário Soares foi um resistente, um lutador, desafiou regras, foi ousado, apostou e, não tendo ganho sempre, ganhou no essencial – tornar Portugal uma Democracia sólida, plural e moderna. Portugal perdeu um dos seus maiores. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista presta, assim, a sua sentida homenagem a Mário Soares, um homem da Liberdade!