Não basta falar, é preciso que as nossas acções materializem aquilo que dizemos e defendemos. Isto a propósito da visita de Cavaco Silva aos Açores. Tentou, desesperadamente, afirmar-se um amigo dos Açores e das nossas especificidades, mas os factos desmentem categoricamente qualquer afirmação feita nesse sentido.
Não basta dizer que gosta dos Açores e que é bem tratado nos Açores. Isso todos sabemos. Qualquer pessoa que cá venha passa a gostar da nossa Região e, felizmente, temos fama de bem receber quem nos visita. Mas no campo político, há muitos anos que são conhecidos os episódios onde Cavaco Silva desconfia, desconsidera e diminui os Açores e os Açorianos. Foi assim no Estatuto Político-Administrativo, foi assim na remuneração compensatória e foi assim com a nossa Lei Eleitoral. Isso aconteceu independentemente do partido que governava os Açores. Esta não é uma questão partidária. É pior do que isso. É ideológica.
Não é defeito, é feitio.
Portanto, não basta falar, é preciso demonstrar.
Mas essa ânsia de mostrar que se gosta dos Açores e a falta de episódios e acções que o demonstrem não nos devem levar ao desespero de inventar esses episódios e de deturpar factos.
Cavaco Silva deturpou factos quando, numa tentativa desesperada de se mostrar grande defensor dos Açores, afirmou que se deve a ele o estatuto de ultraperiferia da Região. É falso.
Já em 1985, quando Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE), havia uma declaração conjunta sobre a situação dos Açores e da Madeira, que recomendava a adopção de medidas específicas para estes arquipélagos. A bem da verdade, ainda antes de Cavaco Silva ser primeiro-ministro, a Comissão das Regiões Periféricas e Marítimas Europeias introduziu o conceito de ultraperiferia, conceito importante de apoio ao desenvolvimento das Regiões mais pequenas da Europa. Este estatuto acabou por ser desenvolvido por determinação do governo francês e de um grande Presidente da Comissão Europeia, que foi Jacques Delors, que o garantiu no Conselho Europeu de Rhodes.
Uma coisa é certa, de incoerência ninguém pode acusar o actual Presidente da República. É que foi sempre, sempre factor de desconfiança e de desunião entre os açorianos e o resto do país.
E não tenhamos ilusões. Nos tempos difíceis que atravessamos e com o plano de austeridade que está em implementação, poderemos ser muito prejudicados por um Presidente relegitimado nas urnas que não respeita as nossas especificidades. Famoso por dar primazia aos números, em detrimento das pessoas, Cavaco Silva pode ser o “porto seguro” para maior austeridade nacional, se a evolução dos mercados internacionais assim o impor.
O seu espírito revanchista pode vir ao de cima sempre que nos Açores, os órgãos de governo próprio da Região tentarem amenizar os impactos negativos de medidas austeras.
Neste contexto, teríamos um Cavaco no seu melhor. O economista que se sobrepõe sempre ao humanista.