Dedilho as teclas mais uma vez. À procura do meu leitor. Em honra e por causa dele. E descubro subitamente por detrás da folha em branco uns olhos que me perseguem. E ouço, mesmo agora, uma respiração constante, que me acompanha, suspensa no gume das palavras. A crónica é um texto inacabado por direito próprio. É um exercício de dispersão que, contraditoriamente, persegue a unidade final. Aos leitores devo a minha demora por aqui. A sua presença ténue e terna, a sua capacidade de revolta. A leveza da sua presença, a determinação das suas convicções. Pressinto, ao dedilhar as teclas, o seu gesto de anuência, ou a discordância mal disfarçada no olhar. O leitor é um juiz severo das sextas. Que me choca e enternece. Que conhece a palavra certa que me falta e que a coloca no puzzle do texto. Com eles partilho a página, comungo a ansiedade e construo o texto. Por eles a crónica sai leve, distraída, como quem vem ao acaso, mas perseguindo determinada um fio condutor. Há no leitor uma exigência escondida mas severa. A da assiduidade. Onde se meteu ela hoje? A da correspondência. Porque não escreve ela o que nós queremos ler? A da fidelidade. Que nos faz cumprir afinal o ritual do encontro. Os olhos que me espreitam e a respiração que me acompanha são essenciais à sobrevivência de quem escreve. Porque dividem comigo a angústia da página em branco e a incerteza do desfecho. Porque se animam com a frase feliz e se entristecem com a crueza do texto. Há neste jogo a suspeita de múltiplos afectos. Espalhados ao longo do tempo, tecendo uma relação segura. Em que vimos todos, eles e eu, à folha deserta, no encalço das respostas que ela tiver para nos dar. E ela coopera solícita ou fecha-se intransigente, comprometendo a relação. Perturbando a correspondência. Que saberemos, com inteligência, restabelecer.