Muitos portugueses olham para as recentes medidas de austeridade aplicadas e anunciadas pelo Governo PSD de Passos Coelho com um sentimento de estupefacção e inevitabilidade.
Na versão do nosso Ministro das Finanças (que falou à televisão, até hoje, quatro vezes e em três, anunciou aumentos impostos), os portugueses não devem ficar surpreendidos, pois parte destas medidas estava presente no memorando da Troika e outras devem-se a um “buraco colossal” nas contas públicas, fruto do BPN e da má gestão na Madeira.
Na versão de Berta Cabral - mais simples e interesseira -, a culpa da crise é do estado em que os socialistas, liderados por José Sócrates, deixaram o país.
Mas a verdade é que os próximos tempos vão ser de uma austeridade sem paralelo, em que a classe média pode vir a ser considerada uma espécie em vias de extinção. Ou seja, uma sociedade mais desigual e menos justa!
Inevitável? É este o caminho que nos poderá levar ao crescimento económico e ao fim da crise? Não e não!
De facto, os compromissos que assinamos com a “troika” são realmente inevitáveis. E são aqueles que podem levar o país a efectuar reformas do seu funcionamento e da sua administração, finalmente ultrapassando a resistência de fortes corporações que dominam alguns sectores da nossa sociedade. Mesmo cumprindo este cenário penoso, mas fundamental, temos de ter a consciência que o nosso futuro depende mais da conjuntura internacional do que de nós próprios.
Mas o mais assustador nas medidas tomadas pelo Governo da República é que estas revestem-se mais de um carácter ideológico do que de reformas estruturais que nos podem fazer desenvolver.
Ninguém percebe que o problema da crise que atravessamos motive o corte no financiamento de transplante de órgãos, na comparticipação de vacinas, como sejam a do colo do útero. Ninguém percebe porque se acaba com a comparticipação da pílula contraceptiva, que passa de 5 para 17 euros, porque a electricidade vai passar a ter IVA à taxa máxima em vez da intermédia ou porque parte da classe média deixa de poder ter grande parte das deduções em IRS.
Ninguém percebe porque é que, para resolver a crise, temos de aumentar o número de alunos por turma, parar a construção de escolas, aumentar o IVA para a reabilitação urbana, acabar com serviços na saúde, liberalizar mercados que resultarão em monopólios e aumentar os impostos até um nível insuportável para quem quer apenas viver.
Ninguém percebe porque o Governo quer privatizar o canal 1 da RTP e acabar com os centros Regionais dos Açores e da Madeira.
Qual a poupança real para o Governo e para o mercado audiovisual em Portugal? Porquê querer reduzir a emissão da RTP nos Açores e na Madeira se estas significam apenas 3% do Orçamento Global da RTP?
A resposta é tão clara como o respeito que o Ministro Miguel Relvas do PSD tem pelos Açores e Madeira: nenhuma vantagem!
Na verdade, o Governo, para privatizar o canal 1 da RTP, tem de assumir a dívida da mesma e limpar o que dá prejuízo, ou seja, a RTP/Açores e RTP/Madeira, tornando o canal assim atractivo para os privados. Tenho pena que o Ministro não tenha percebido que o que está a fazer é arruinar o mercado audiovisual, já tão saturado de concorrência e destruir o que resta de serviço público de televisão no país e nas Regiões Autónomas.
Mas tenho ainda mais pena que Berta Cabral, numa ânsia para proteger o seu partido a nível nacional, aja como se nada se passasse. Para a líder do PSD, nada se passa em relação às declarações do Ministro Relvas sobre os portugueses das regiões autónomas, pois nem sequer as ouviu (os inúmeros adjuntos que dispõe andam a trabalhar mal). Para a mesma líder, nada se passa quando o Estado quer alhear-se do financiamento de um serviço publico de televisão regional, direito que até hoje nunca esteve em causa, pois para o seu partido se os Açorianos querem autonomia e serviços públicos devem ser eles a pagá-lo.