Quando os olhos do país se concentravam na Madeira, abismados com o descalabro financeiro, a velha táctica de lançar a confusão na opinião pública e desviar as atenções entrou em funcionamento, apontando os canhões para os Açores.
Quem leu o semanário SOL (2-11-2011) ficou perplexo perante o título que colocava a dívida dos Açores em 3 mil milhões de euros. E o cidadão mais desprevenido, que ainda sentia a zoada dos 500 milhões escondidos nas catacumbas da Pérola do Atlântico, explodiu de imediato: - Andaram a fazer tanto barulho com o buraco da Madeira e, afinal, o dos Açores é muito maior.
A fragilidade do artigo ressalta da dualidade de critérios de análise para as duas regiões, da utilização errada de valores e da metodologia usada para obter a soma final da dívida açoriana.
Para os Açores, o valor da dívida apurado pelo jornal resulta da soma das dívidas directa e indirecta do governo regional, a que juntou a do sector público empresarial e a das parcerias público-privadas. Ao apresentar estes dados, o articulista pretende demonstrar que “os Açores têm tentado distanciar-se da situação financeira da Madeira”, mas que, afinal, o governo de Carlos César estaria longe de ser exemplar. À medida que o leitor vai seguindo o artigo fica à espera que o critério utilizado para apurar a dívida açoriana fosse também seguido para expor a da Madeira. Mas não. No final do artigo refere apenas que a dívida de João Jardim duplicou entre 2005 e 2010, subindo de 478 para 963 milhões.
Perante isto, fiquei perplexo, pois tenho lido em vários sítios que a dívida total da Madeira ronda os 8 mil milhões, ou seja, mais 5 mil milhões do que a que foi apresentada pelo jornalista em relação aos Açores. Foi esta diferença abismal que levou o próprio ministro das Finanças a dizer que a situação da Madeira era “insustentável”.
Que eu saiba, as contas dos Açores já foram apresentadas a instâncias exteriores à Região pelo vice-presidente do governo, Sérgio Ávila, e não sofreram qualquer contestação.
Pelos dados oficiais que são do conhecimento público, a dívida directa da região situa-se nos 375 milhões, a que se juntam mais 412 milhões da dívida indirecta, ou seja, aquela que corresponde à soma dos avales, das garantias concedidas pela Região a alguns empréstimos que foram obtidos pelas empresas do sector público empresarial. Se se utilizar um outro critério que não contemple os activos das empresas públicas, pode chegar-se a outros valores. Deste modo, se juntarmos a dívida directa com o passivo financeiro líquido de todas as empresas públicas, o total da dívida chegaria a 1.300 milhões.
Perante estes dados, qualquer comparação com a Madeira é pura manobra de diversão. Os Açores, nos últimos onze anos, apenas em três deles tiveram um acréscimo de endividamento líquido e este sempre foi devidamente autorizado. A dívida directa não vai além dos 9% do Produto Interno Bruto (PIB) e os esforços para reduzir despesas de funcionamento, de correcção de sobredespesas, da redução do número de chefias e de funcionários públicos tem dado resultados positivos.
Como se pode constatar, o canto do galinho da Madeira não entra no nosso cancioneiro e nem somos responsáveis por derrapagens orçamentais.
Isso não implica que não sejamos solidários com o esforço nacional para o reequilíbrio das contas públicas. Penso que ninguém duvida desse propósito, mas há que estar atento para que esta conjuntura não seja um pretexto para o Estado se furtar às suas responsabilidades para com a Região.