Na passada quinta-feira, o Primeiro-Ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, anunciou ao país que vivíamos uma situação gravíssima de emergência das nossas contas públicas que o obrigava a tomar medidas de extrema gravidade, com terríveis efeitos nos rendimentos dos portugueses.
Comecemos pelo que o Primeiro-Ministro não disse.
Pedro Passos Coelho referiu que as contas públicas apresentam um enorme buraco de cerca de 3000 milhões de euros e que, nos dois primeiros trimestres deste ano, 70% do défice permitido tinha sido gasto, mas não informou os portugueses em que rubricas ou em que administrações existiram, de facto, um descontrole “descomunal”.
Só percebendo verdadeiramente o estado da execução orçamental é que podemos perceber onde está o ou os problemas, pois até agora só temos noticias desgarradas de buracos financeiros sem percebermos de quanto e o porquê.
Nesta intervenção do Primeiro-Ministro não ouvimos falar, também, de uma única medida de estímulo ao crescimento económico, para além de um aumento de 30 minutos diários no horário de trabalho dos trabalhadores no sector privado e de mexidas nas datas dos feriados. Estas medidas podem, para alguns, ser até positivas, mas não devem constituir a base da estratégia económica de crescimento de um Governo de um país que está de rastos.
Quando Passos Coelho anunciou o chumbo do PEC IV, que derrubou o Governo de Sócrates, alegou por, diversas vezes, que este plano deveria poupar as famílias e cortar nos consumos intermédios do Estado. O facto é que, 120 dias depois de tomar posse, apenas aumentou exponencialmente os encargos das famílias portuguesas e não apresentou uma única medida para cortar as gorduras do estado, para além de andar em classe turística nas viagens com menos de 4 horas de duração.
Mas se esta declaração prima pela ausência de medidas e de explicações fundamentais para desenvolvermos a nossa economia, as medidas de austeridade esmagam completamente os pensionistas e os funcionários públicos. Tiago Guerreiro num artigo no Jornal de Negócios afirmava que “ O que se lhes está a tirar, tudo somado, não é gordura, é amputação. Somando o corte médio de 5% do salário aos dois subsídios do próximo ano, mais o limite às deduções fiscais dará para muitos quase 25% da remuneração perdida em dois anos.”
Ora estas medidas, apesar de proporcionarem cortes momentâneos na despesa e receita certa, não têm qualquer tipo de racionalidade económica.
Numa economia muito dependente do consumo interno, em que a alteração de um modelo económico de base de consumo interno, para um modelo de base exportadora leva décadas, um corte no rendimento dos portugueses desta dimensão provoca uma retracção gigantesca do consumo e levará à falência milhares de média/pequenas/micro empresas que vivem à custa da revenda de produtos importados. Basta visitar um qualquer centro comercial para perceber que estas empresas constituem 95% das lojas.
Numa situação tão grave, como o Governo faz querer, associada à grave crise de escassez de crédito (nada se fez ainda para resolver este problema), temos todos os ingredientes para a detonação de uma gigantesca bomba atómica na economia portuguesa em 2012 e 2013. Esta crise levará que o produto interno bruto desça acima do previsto, baixando a receita fiscal, aumentando a despesa social (piorando o saldo orçamental) e aumentando também o défice orçamental face ao PIB, o que levará a novas medidas de austeridade e a um ciclo vicioso de recessão igual ao da Grécia.
Sabendo que parte da solução dos nossos problemas passa pelo prolongamento do tempo de ajustamento do memorando de entendimento com a Troika, (ou seja, não depende de nós), não ignoro que o Estado necessita de receitas imediatas para fazer face aos seus problemas, mas é preferível acelerar a venda de património do Estado mobiliário e imobiliário e negociar a passagem de outros fundos de pensões de empresas a exigir um ajustamento tão brutal às famílias e às empresas.