A comemoração, na sua componente contemporânea, desenrolou-se a partir da Revolução Francesa (1789) e tinha como objetivo ligar a população a um centro político e divulgar, ao mesmo tempo, os novos valores revolucionários.
Esse modelo transitou para Portugal após a eclosão da Revolução Liberal (1820) e, a partir de então, os calendários foram-se estabelecendo de acordo com cada regime político que se instalava. Ou seja, na Monarquia Constitucional comemoraram-se determinados eventos, tendo alguns deles sido substituídos na I República, acontecendo o mesmo com o Estado Novo e com o regime democrático após o 25 de Abril. As comemorações concentraram-se nos dias feriados, tanto nacionais como regionais, e assim surgiu o dia de Portugal, a 10 de Junho, que antes tivera outras designações.
Para o caso dos Açores, também tivemos as nossas datas gloriosas ligadas ao movimento liberal, festejadas a nível municipal, tendo o feriado regional sido implementado apenas em 1980.
Numa primeira fase, usava-se a expressão Dia da Autonomia. Com esta designação estava-se a comemorar o regime regional que foi implantado após o 25 de Abril, numa perspetiva restritiva, de carácter político. E compreende-se que assim seja. Estávamos em plena euforia vitoriosa da conquista de um modelo administrativo que vinha sendo reivindicado por várias gerações e tornava-se necessário fazer chegar essa mensagem às populações. Valorizar o novo regime de governação faz parte do objetivo da festa comemorativa, com o fito de agregar os cidadãos a esse projeto.
O Dia da Autonomia passou depois a ser designado por Dia da Região. Esta designação tem já uma abrangência que encara o arquipélago como um todo, numa dimensão que vai para além do aspeto meramente político. Rapidamente se percebeu que a autonomia só sobrevivia se nela se valorizassem outros ingredientes que foram levedando ao longo do processo. Assim foi porque, durante muito tempo, o arquipélago dos Açores era apenas um conjunto de ilhas que viviam em boa medida de costas viradas, em que a consciência da sua unidade e da sua identidade eram muito ténues. O regime autonómico teve essa vantagem de despertar consciências que andavam adormecidas. Durante muito tempo, a açorianidade era termo obrigatório em qualquer discurso, caindo-se, como é evidente, em exageros desnecessários. Felizmente, o bom senso acabou por vingar.
Todavia, esta expressão Dia da Região, embora já englobe a componente identitária e a unidade política, acaba por ter uma carga politico-administrativa que se sobrepõe a todas as outras vertentes.
A expressão Dia dos Açores parece-me ser a mais correta. Também tem sido usada várias vezes, mas não se impôs, surgindo misturada com as outras duas.
O Dia dos Açores engloba todas essas dimensões – geográfica, política, administrativa, cultural, unitária e identitária - com a vantagem de ter uma carga afetiva muito mais profunda. Vai às nossas origens, à designação que nos deu a conhecer ao mundo, à nossa geografia que, como disse Nemésio, vale tento como a nossa história. E vai também até junto das comunidades da diáspora. Por esse motivo, o Dia dos Açores já foi comemorado oficialmente fora da Região, para demonstrar esse elo que existe entre nós todos, seja na América ou no Canadá.
O dia escolhido, a Segunda-feira do Espírito Santo, revela-se adequado. Mesmo para os que não são crentes nem católicos, uma boa parte tem uma ligação muito afetiva ao culto do divino, pelo que não me parece que haja um grande choque ideológico. Isto é: comemorar o nosso dia da Região, em cima de um evento religioso, num Estado que se diz laico, surge com alguma naturalidade. No futuro, pode ser que as circunstâncias se alterem, mas nessa ocasião serão dadas as respostas adequadas.
Para já, o que importa referir é que a festa do Espírito Santo comporta valores e práticas que vão muito para além do aspeto meramente religioso, como seja a solidariedade e o espírito de partilha. Estes valores estão bem presentes na nossa sociedade e acompanha os açorianos para onde quer que vão.
Continuemos pois a comemorar o Dia dos Açores, como um dia da nossa afirmação, sem complexos de qualquer espécie. Afirmação perante nós próprios, que necessitamos também destes rituais para nos sentirmos mais irmanados, e perante os outros, mostrando a nossa diferença, mas também o nosso espírito de tolerância.
E enquanto estes picos se mantiverem a boiar no meio do Atlântico que se comemore o Dia dos Açores.