Opinião

A respeito das novas medidas de austeridade

O recente anúncio do Primeiro-Ministro de mais medidas de austeridade para 2013 tem levantado acesa discussão e motivado diversas reacções. E com razão, ao que tudo indica pelo tipo de medidas apresentadas ao típico poucos-minutos-antes-do-futebol estilo português de que todos nós tanto gostamos. Tira-se o rebuçado à criança e depois acena-se com a imagem de uns gajos coloridos a correr atrás de uma bola e a distracção será sempre inevitável – pelo menos durante a partida. Depois vem a ressaca. E de vários quadrantes do espectro político português há reacções de alarme, de indignação e de ruptura do entendimento vigente até, devido às recentes medidas do Governo da República para cumprir as metas do memorando da Troika e a falha nas previsões apresentadas para o défice de 2012, assim como a incapacidade de tornar 2013 no ano da retoma, longe que estão as promessas eleitorais de sucesso. Para o Bloco de Esquerda a guerra está aberta. Para os restantes partidos, indignação e alguma prudência acima de tudo. Até dentro do PSD/JSD as vozes não se deixaram de fazer ouvir: de Miguel Veiga a Alexandre Relvas, passando por Duarte Marques, juntando-se ao coro de vozes as de Marcelo Rebelo de Sousa, António Capucho e Bagão Félix, dos vários ex-dirigentes, históricos militantes e responsáveis partidários actuais, vêm palavras de descontentamento, de discordância e de receio pelo futuro da economia e sociedade portuguesas, cientes que estão da iniquidade grave que as medidas anunciadas comportam e duvidosos que estão da eficácia das mesmas. Para o comum cidadão, parece que se bate continuamente no ceguinho (entenda-se Zé Povinho) enquanto que as grandes fortunas e empresas saem mais ou menos incólumes ao problema. A descida da Taxa Social Única e a subida da contribuição para a Segurança Social – que apesar de rectificada por Pedro Pinto, vice-presidente do PSD, foi anunciada por Passos Coelho como igual para todos – são exemplos disso mesmo. Desce-se a taxa social única na vã esperança de que as grandes empresas possam contratar mais pessoas (e daí combater-se o desemprego) ao mesmo tempo que se obrigam as pessoas individuais a pagar mais impostos. Impostos que têm sido, aliás, a par das quase inexistentes privatizações, a única forma que este governo tem encontrado para fazer face a um memorando que já não é o que era. E já não é o que era exactamente por confirmar o que já se temia: as medidas acordadas entre o anterior governo e a Troika e que estes meninos laranjas tanto quiseram levar ainda mais além do que o previsto não eram a solução. Não eram, não são e não serão solução para o problema português. Aliás, quando temos o Presidente da Comissão Europeia (só agora) a avançar que a Europa deveria caminhar para uma Federação de Estados-nações temos a confirmação que não é na restrição cega e na imposição temporal desmedida que reside a nossa solução. E quem diz nossa, diz da Europa, que Portugal não chegou onde chegou sozinho. Por mais que o PSD repita o nome Sócrates. Mais a mais, e apesar de António José Seguro pedir audiência com carácter de urgência ao Presidente da República, a verdade é que o Partido Socialista não tem que ser refém de uma receita que por um lado foi para lá do que inicialmente previsto (sem resultados satisfatórios) e que por outro continua a atentar contra o estado social e os trabalhadores. Se dúvidas houvesse, o anúncio de Passos Coelho de sexta-feira veio dissipá-las. Senão vejamos: Portugal está na bancarrota. Como tal, temos de ter dinheiro emprestado. Emprestam-nos na condição de cumprirmos um tal de memorando. O Governo do PSD cumpre as medidas que estavam no memorando e outras que brotaram das suas cabeças iluminadas. Mesmo assim, Portugal não atinge os níveis que a Troika havia dito que iria atingir como resultado das medidas implementadas. E que faz o Governo? Aponta o dedo à Troika co-responsabilizando-a pelo desaire? Não. Exige uma flexibilização diferente, uma vez que a receita milagrosa anunciada pelo FMI não era nada milagrosa? Cá nada. Que faz? Aumenta a austeridade sobre as famílias e alivia a carga das empresas. Na prática, rouba aos pobres para financiar o dinheiro que perde por aliviar os ricos. Nem Buffet acreditava na premissa de que mais dinheiro e menos impostos nas mãos das grandes empresas gera automaticamente mais empregos, e é o coelho da Páscoa que, apesar do Presidente da República ter alertado para o perigo de mais austeridade e o Tribunal Constitucional (bem) ter decretado inconstitucionais os cortes nos subsídios, insiste numa receita já provada insuficiente e estranguladora da nossa economia. Não há como não pensar que isto é bater no ceguinho. O tal termo que entretanto caiu no desuso na gíria política volta a fazer todo o sentido – estamos perante um grave problema de autismo político e surdez social. É que não estamos a falar de apenas a oposição estar desagradada. São medidas que mostram uma subserviência e uma obediência tais à Troika que me custam a adjectivar, mostram uma falta de solidariedade e sensibilidade social gritantes perante as dificuldades dos portugueses; revelam a estirpe pseudo-neo-liberal deste executivo – que dá tiros nos pés à queima-roupa; e acima de tudo revelam um desrespeito por todos os portugueses que foram enganados a votar laranja nas eleições anteriores, na promessa de não terem mais do que têm tido: impostos. Presidente da República? Qual Presidente da República? Ministro dos Negócios Estrangeiros e parceiro governativo? Encontra-se no estrangeiro e como tal não comenta as medidas anunciadas por não se encontrar no país. Miguel Relvas? Encontra-se no estrangeiro e fala a elogiar as medidas, marimbando-se para essa coisa de “não falo quando me encontro deslocado de Portugal” que o Cavaco também se marimbou mas apenas quando foram os Açores a incomodar. Enfim... Por cá, continuamos com as contas públicas validadas pelos mesmos organismos externos que antes, com o recente pormenor de que a Troika não considerou necessário rever as contas açorianas porque não só tinham sido já (re)confirmadas como não representavam motivo de preocupação. Mas o PSD/Açores insiste na promessa de que não será assim nos Açores e pede o voto na mudança. Mudança para quê?