O novo ano já lá vai. Os excessos da época deixam sempre marcas. Umas mais óbvias do que outras.
Em Ponta Delgada, este Natal deve ficar na memória pelo abandono a que a urbe passou por estas festividades.
Passamos literalmente do 80 ao 8. Se antes era o culto da personalidade que comandava a acção municipal, actualmente assistimos a um momento de dessacralização. Antes tudo, agora nada, em nome do rigor orçamental. Esta é por estes dias a panaceia que serve para justificar tudo (ou quase).
Mas esta decisão terá sido tomada por convicção ou, como questionou José San-Bento, “porque a situação financeira do Município está de acordo com o que denuncia a oposição?”.
Independentemente da resposta, considero que o cenário vivenciado quer no Natal, quer na Passagem de Ano, pouco ou nada dignificam aquela que, não há muito tempo, vociferava, dia sim, dia sim, ser a “maior” cidade dos Açores.
As questões orçamentais não podem tudo legitimar. Mesmo e apesar da falta de civismo de alguns munícipes, o lixo acumulado durante dias a fio não é uma imagem que se deseje perpetuar. A ausência ou o reduzido número de contentores é um caso flagrante junto a alguns dos maiores aglomerados populacionais.
A limpeza do centro histórico é, infelizmente, algo que ultrapassa estas alturas festivas. A cada fim-de-semana que passa o cenário é terceiro-mundista. Os despojos da febre de sábado à noite ficam por sua conta e risco à mercê de quem ao domingo circula pela cidade. Não vale a pena ignorar que este não é um problema. Assim como, não vale a desresponsabilização argumentativa de que esta é, também, uma crise de valores. Estamos perante evidências concretas da utilização do espaço público. E o município demite-se ostensivamente das suas responsabilidades. Que o digam os turistas que aportam ao domingo em Ponta Delgada.
Não é possível criticar o programa da Passagem de Ano em Ponta Delgada, pois ele não existiu. E não me estou a referir à ausência do espectáculo de fogo-de-artifício. É necessário construir um cartaz turístico para esta época do ano, sendo que o mesmo tem de ser diferenciador. Fazer uma cópia (duvidosa ou de gosto duvidoso) daquilo que outros fazem (e sabem fazer), de nada serve. Agora pergunto: o custo da montagem de um palco nas Portas da Cidade, com som e iluminação, faz algum sentido, se aquilo que é promovido não constitui motivo de atracção?! Serve exactamente que propósito (ou de quem)?!
O centro histórico definha há mais de uma década. Esta não é uma situação nova. Como alguns querem agora veicular. Devido a uma deficiente política urbanística a população abandonou o centro e passou a viver num anel periférico. A “ausência” de estacionamento no centro não explica tudo. Os hábitos de consumo mudaram. Só não vê quem não quer.
A este respeito deixo aqui uma citação de João Teixeira Lopes sobre (A Cidade e a Cultura, 1998) a forma como hoje nos apropriamos do espaço público: “as praças e ruas das cidades transformaram-se em lugares de passagem percorridos por «multidões solitárias». São espaços que se desvitalizaram, deslizando progressivamente da categoria de público para a neutralidade do não-privado, através de um enfraquecimento da categoria especificadora — colectivo — que conferia sociabilidade à relação”.
O mundo está em mudança. Ponta Delgada parou. E está, literalmente, ao abandono e entregue à sua sorte.