I.No verão de 2013, Mota Amaral, na qualidade de deputado eleito pelos Açores à Assembleia da República (AR), afirmou “é uma questão fundamental, que não corresponde a um privilégio, corresponde à resposta do Estado relativa aos sobrecustos derivados da insularidade para os cidadãos e para as empresas açorianas” e, por causa disso, ele e os dois outros deputados do PSD Açores (Joaquim Ponte e Lídia Bulcão) votaram contra a revisão da Lei das Finanças Regionais promovida pelo seu partido.
A questão central era a da redução do diferencial fiscal, que, no entender, dos deputados social-democratas dos Açores na AR, violava os princípios constitucionais da Autonomia. O PSD nacional instaurou-lhes um processo disciplinar e nós, nos Açores, ficámos com a ideia de que estaríamos perante um ato de coragem política. O processo não deu em nada, mas ficou o exemplo.
Exemplo que o líder regional do PSD usou como bandeira da sua obstinada luta pelos interesses da Região, chegando mesmo a deixar no ar a ideia de que o Governo Regional teria sido menos persistente e decidido do que os três deputados açorianos da maioria na República.
II. Flash-forward para Outubro de 2014. Depois de mais de um ano a marinar nas gavetas de S. Bento, a Proposta de Lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada na Região por unanimidade, que visava obter do Governo da República uma comparticipação de 30 milhões de euros no esforço de recuperação dos prejuízos causados pelas graves intempéries de março de 2013, com base no princípio constitucional da solidariedade nacional, mereceu dos mesmos três deputados do PSD Açores uma indecorosa abstenção com base em argumentos formais, ainda por cima mal explicados.
Desta vez coube a Lídia Bulcão argumentar em nome da tríade e foi então que a temerária (ainda que calada) autonomista de 2013 deu lugar à (falante) PPD burocrata de 2014. Onde antes vislumbravam violação grosseira da Autonomia, os três do costume do PSD Açores na República viam agora uma intrincada teia de complicações jurídico formais. Onde em 2013 buscaram coragem política para supostamente afrontarem os ditames dos seus chefes, em 2014 só restavam inultrapassáveis receios de inconformidade legal.
Com os Açorianos à espera de serem solidária e justamente apoiados pela República, os deputados do PSD Açores ainda tentaram fazer marinar mais um pouco o diploma, mas, perante a insistência de quem tinha pressa e razão, viram-se obrigados a ter de tomar posição. Substituíram, então, o grito de 2013 por um mortiço assobio para o ar em 2014.
III. Eu tenho uma teoria para o que se passou, mas envolve instintos tão politicamente primários que me vou abster de expor. Os factos são suficientes para demonstrar que a única constante entre 2013 e 2014 foi o interesse específico do PSD Açores, moldado às circunstâncias e ao contexto de cada momento: em 2013, interessava acentuar negativamente o Memorando de Entendimento que o Governo Regional tinha assinado com a República; em 2014, interessava que o Governo dos Açores não recebesse os 30 milhões de euros e não os colocasse ao serviço dos Açorianos.
IV. Ser deputado pelos Açores em Lisboa é, muitas vezes, estar só contra todos, até contra os nossos correligionários políticos. Ser a voz da Região na AR é, muitas vezes, manter-se firme mesmo que isso traga como única consolação a sensação de dever cumprido. Exercer um mandato representativo dos Açorianos junto dos centralistas é um desafio, uma honra e um privilégio. Não é para quem se sente incomodado; é para quem nunca se importa de incomodar!