Nunca me dei bem com a mediocridade. Não pelo que possa ter de mediano – nada, aliás, contra a mediania, que nos ajuda a pensar as ações – mas pela aflição que sempre me provocou o medíocre que se mantém cioso e fervoroso (e por isso refém) da sua mediocridade.
No decurso da discussão do Plano e Orçamento Regionais para 2015, o Partido Socialista apresentou uma proposta de alteração que consistia na criação, dentro do programa que contempla Melhoramento e Sanidade Animal, de uma ação específica referente ao “Bem-estar de animais de companhia e de animais errantes”. Ou seja, dito de forma simplificada: o Partido Socialista pretendeu, tão-somente, que no contexto exclusivo de Melhoramento e Sanidade Animal fossem deslocadas verbas (mínimas) para atender aos denominados “animais de companhia”. Não foi retirado, portanto, um cêntimo de qualquer outra ação, de qualquer outro programa, de qualquer outra proveniência, como o PSD pretende fazer crer. Não ficou uma única escola prejudicada, uma única família, uma única criança. Bem pelo contrário: se conseguirmos, por pequeno que seja o investimento, auxiliar as escolas na sua missão de formar cidadãos mais completos (onde se inclui, ao arrepio do que pensa o PSD, o respeito pelos animais que dividem este planeta connosco); se formos capazes de ajudar detentores com carências profundas e que, por força das circunstâncias, não têm possibilidade de conferir cuidados básicos aos animais que integram as suas vidas; se ajudarmos a controlar as populações de animais errantes, com tudo o que daí advém para a saúde pública e para a segurança das pessoas, é a toda uma sociedade que atendemos. A uma sociedade evoluída, crescentemente consciente das suas inúmeras responsabilidades, não à sociedade obsoleta, sucumbida a mediocridades várias, com que este PSD/Açores se alinha.
À aprovação dessa proposta, devo acrescentar (por ser dado bem elucidativo), seguiram-se, ao longo de toda a maratona de debate, apartes confrangedores, do tipo (e apenas em jeito ilustrativo) “eles querem é cãzins e gatins”. Não para quem os ouvia, como eu e as dezenas de outros deputados (do PS, do PCP e do BE, sendo, aliás, da autoria deste último uma resolução aprovada na Assembleia Legislativa Regional sobre esta matéria) que votaram favoravelmente a referida proposta de alteração, mas confrangedores e vergonhosos para quem os proferia: um desditoso PSD (que na sua bancada integra, não nos esqueçamos, vários professores e um médico veterinário), alheado do mundo, indiferente ao sofrimento das criaturas, indecente e grosseiro nas suas comparações.
Mas, não contentes com essa reação lamentável, que imaginei, ingenuamente, dever-se ao adiantado da hora, eis que regressam ao assunto no passado Domingo, pela pena da sua única deputada (professora, aliás, convém frisar), num artigo provocatoriamente intitulado “Bem-estar animal”, e que, procurando ser uma crítica (quem dera conseguisse sê-lo!...), deixa sobretudo a nu a mediocridade dos argumentos de quem nada de maior tem para dizer.
A este propósito, e uma vez que o referido artigo terminava com uma citação de Orwell, talvez não fizesse mal ao atual PSD/Açores cultivar-se um pouco mais. Ler mais. Refletir mais. Pensar o mundo com outra profundidade. Umas horitas com Marguerite Yourcenar, Doris Lessing ou Manuel António Pina dariam, estou em crer, alguma ajuda. Ou ainda, tão mais perto e não menos sublime, com o enorme Emanuel Félix. Talvez esses pensadores lhes fizessem algum bem, talvez trouxessem matéria e alma a um discurso e a um pensamento mergulhados num vazio angustiante – e que, de mediocridade em mediocridade, só contribui para empobrecer a democracia e o debate político nos Açores.