Opinião

A voz dos interesses

I.Nos sistemas democráticos tem de haver lugar para a defesa organizada de interesses. Emergindo da sociedade civil e adotando uma configuração de tipo associativo, os interesses assim representados ganham voz, palco e, em diferentes graus, capacidade de influência. Existem, contudo e obviamente limites. Uns evidentes, como aqueles que decorrem da natureza e da adequação à lei dos interesses que se pretendam promover; outros nem tanto, porque relacionados com a linha (por vezes ténue) que delimita o interesse público. E há ainda os que dizem respeito ao nível de pressão política que pode ser considerado admissível e aquele que ultrapassa as convenções essenciais da Democracia, que, para o bem ou para o mal, continua a ser o primado da soberania do povo e da regra da maioria. II. Em meios pequenos mas de largo espetro mediático, como é o nosso, os grupos organizados de interesses tendem a concentrar em si mesmos todo o setor que representam e a concentrar nos seus líderes todo o poder de representação. Explicando de outro modo, os trabalhadores falam pelos líderes sindicais, os agricultores pelos líderes associativos ou os empresários pelos líderes empresariais, convertendo-se, desta forma, o espaço de representação em núcleo de poder. É por isso que muitas vezes o diálogo entre os interesses e o poder político – o Estado, para simplificarmos – não é outra coisa senão uma camuflada contenda entre poderes, um de legitimação geral e popular, outro de sustentação interessada e setorial. O problema surge, então, quando aqueles que foram eleitos entre pares para defenderem os interesses legítimos de um determinado setor profissional, social, cultural ou de outra natureza, se transformam em atores políticos não legitimados e usam os canais de acesso ao público para ultrapassarem as condicionantes naturais da sua esfera de representação. III. Quando os “empresários de Ponta Delgada” defendem a reestruturação e privatização da SATA ou os “empresários dos Açores”, pela voz do Presidente da Direção da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada (CCIPD), dizem querer entrar na estrutura acionista do Novo Banco Açores com uma subscrição de 10% do capital, estamos ainda na esfera da legítima de representação dos interesses dos empresários do concelho de Ponta Delgada ou estaremos, pelo contrário, perante episódios que atestam o ultrapassar das fronteiras da defesa corporativa? Se é natural que uma estrutura de representação empresarial defenda a liberalização dos mercados e a iniciativa privada como princípios gerais de organização económica, já não nos parece tão cristalino que o faça, não em complemento da definição das políticas públicas, mas em confronto com a gestão política do interesse geral. A Direção da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada não se assume apenas como parceiro tecnicamente habilitado para a definição de medidas de política económica adequadas às legítimas aspirações do empresariado da sua área geográfica de representação. Mais do que falar de economia na perspetiva do setor empresarial privado de Ponta Delgada, a Direção da CCIPD assume-se sobretudo como um contra Governo económico à escala regional. Ostensivamente liberal em matéria fiscal, de licenciamentos e de garantias públicas, desconcertantemente socialista em matéria de apoios e subsídios, quer fazer com que a governação económica de nove ilhas e outros tantos mercados fragmentados seja o reflexo dos interesses ideologicamente condicionados dos órgãos dirigentes dos empresários e industriais de um só concelho da Região. IV. A conflitualidade política pode ser uma consequência ocasional da ação dos grupos de interesse, mas não pode nem deve tornar-se no modo de vida e subsistência dos dirigentes associativos. Para isso há outros palcos, outras lutas e outras formas de participar ativamente na vida coletiva. E uma voz empresarial na Política é tão ou mais necessária do que uma voz empresarial política.• André Bradford