Opinião

Poderes e supervisão

I. A 15 de maio de 2015, o então Primeiro-Ministro Passos Coelho anunciava ao país, na ressaca da Comissão de Inquérito ao Grupo Espírito Santo, que iria propor a recondução de Carlos Costa como Governador do Banco de Portugal, entre outras coisas, por “não ter fingido que não via [no caso BES] o que se estava a passar e ter intervindo de forma a salvaguardar a estabilidade financeira”. Pouco antes do ano terminar, no meio do turbilhão provocado pela resolução do BANIF, Maria Luís Albuquerque, anterior Ministra das Finanças, afirmava que afinal parece que “há um problema de supervisão” do sistema bancário – que, para que conste, é precisamente a função do Banco de Portugal – ainda que não veja razões para retirar a confiança a Carlos Costa. Por sua vez, António Costa, o Primeiro-Ministro que teve de lidar, num colete-de-forças temporal, com a questão e decidir o que o Governo anterior fez por deixar andar, tem outra opinião do Regulador e de quem o governa. Chamem-lhe rigoroso mas ele acha que quem tinha o dever de assinalar o problema antes que ele se transformasse num insolúvel desastre e pactuou com os responsáveis políticos numa espécie de “se-não-falarmos-pode-ser-que-se-resolva-sozinho-ou-então-quem-vier-a-seguir-que-apague-a luz”– quem assim atuou não tem condições para desempenhar um cargo que exige independência, sentido de responsabilidade e, mais que tudo, um desapego orgânico das lógicas de poder, político e financeiro. II. Porém, neste estranho emaranhado de conveniências disfarçadas de leis e costumes em que Portugal por vezes se transforma, parece que o Governo, que é a entidade que propõe o Governador do Banco de Portugal, não o pode demitir durante o exercício do mandato. O objetivo, ao que consta, é o de proteger o Regulador e reforçar as suas condições de independência do poder político. O problema surge, porém, quando o próprio Regulador exerce as suas funções de forma incompetente e demonstra falta de independência. O que fazer? Aparentemente, nada. O Primeiro-Ministro já deixou claro que não o reconduzirá chegado o final do mandato, em 2018. Os próprios partidos que o reconduziram, depois de uma Comissão de Inquérito que concluiu existirem falhas de regulação do sistema financeiro e bancário, reconhecem agora existirem “lacunas de supervisão”. Os vice-governadores que terminam mandato este ano – um dos quais tutela diretamente o famigerado Fundo de Resolução – não têm condições políticas para permanecer no cargo. E, perante todo este contexto de evidente desgovernação, que fazer? Aparentemente, nada, porque a Lei parte da convicção de que o problema será sempre a política e nunca quem fiscaliza em nome da legitimidade política. III. O grau de autonomia das instâncias de regulação protege-as, em tese, contra as tentações de ingerência do poder político, mas deixa-as, em simultâneo e de forma desequilibrada, desprotegidas face aos interesses próprios do ecossistema que têm a missão de regular. Mais uma vez parece confirmar-se a tendência dos tempos que correm para que Política e Economia se oponham irreconciliavelmente, quando o objetivo seria precisamente o de encontrar um sistema equidistante de fiscalização, que não fosse a voz do dono político no mercado, mas que também não pudesse ser a voz dos interesses do mercado no processo político de decisão. O caso BANIF voltou a demonstrar que a estrutura jurídico-constitucional do nosso sistema está desfasada da Democracia contemporânea. Hoje, não há poder, há poderes. Há uma permanente guerrilha entre interesses constituídos em poderes de facto e o poder resultante da legitimação democrática. Deixar arrastar a solução do BANIF acabou por, de uma assentada e perversamente, servir interesses políticos e interesses negociais, ajudados por uma comunicação social completamente dependente de financiamento. Em democracias de outras latitudes, o assunto resolve-se elegendo os reguladores.