Opinião

Populismo e os políticos

É próprio das recessões e das depressões económicas a vulgarização de um sentimento de orfandade das populações face ao “establishment” partidário moderado do centrão político. O que conhecemos da história das democracias ocidentais diz-nos que, em alturas de depressão económica, a “doutrina ou prática política que procura obter o apoio popular através de medidas que, aparentemente, são favoráveis às massas” tende a crescer, interligando a moderação e os moderados à decadência do sistema e aproximando os partidos do centrão políticos às franjas do radicalismo. Qualquer político minimamente arguto percebe que o elo de confiança que deve existir entre a sua dita “classe” e a população já esteve mais sólido. Não será necessário mais do que dois dedos de testa para perceber que há, sobretudo, um sentimento de abandono, daqueles que sentem que estão a passar por dificuldades e que anseiam dos seus representantes a solução para os seus problemas. Quando alguém está desempregado - e não tem dinheiro para contribuir para o sustento da sua família – naturalmente fica chocado em ver um seu representante passear-se em primeira classe nos aviões ou gozar de uma reforma vitalícia ao fim de 12 anos de mandato. Ou quando ouvimos, frequentemente, falar de ordenados milionários nas empresas públicas, dos políticos que não fazem nada, de incompatibilidades de funções que são esquecidas, das mordomias de cargos indevidas, dos “grandes interesses” que mandam, e da corrupção que grassa na administração, acabamos por generalizar um sentimento de falência do próprio sistema político. Mas o mais extraordinário é que este discurso popular e aparentemente despolitizado - terreno fértil para os demagogos - “contra a corrupção e contra os interesses”, é frequentemente apresentado por quadros políticos como arma de arremesso contra os adversários ou como forma de purificação pessoal. O discurso do moralismo despolitizado - aproveitando-se falaciosamente de meias verdades ou se preferirem, de meias mentiras – é na prática, para alguns políticos como a senhora Le Pen, na França, ou outros em Portugal - secundados por jornalistas iluminados pela sua vaidade e pelo seu “juízo” - um artifício ideológico para a imposição de doutrinas e projetos políticos com uma determinada visão tecnocrática sobre a sociedade. Esta visão tão aceite em Bruxelas e pela direita, que deseja transformar a política em matemática e os políticos em técnicos qualificados, que penaliza a ideia perante a evidência do “excel”, partilha, grosso modo, a visão do séc. XIX de que a política deve ser dos que dela não precisam para viver, ou seja, das elites. Para que não pense que este artigo pretende ser uma resposta “corporativa” - se é que podemos utilizar este termo – refiro que considero que a reforma ao sistema de governo deve avançar e combater qualquer tipo de abuso e suspeita sobre esta classe. O problema é que a discussão, tal como está a ser feita, inclusive nas eleições presidenciais, está toda errada, pois discutimos casos quando deveríamos discutir projetos, discutimos como penalizar a classe política em vez de como atrair mais e melhores quadros para a atividade. Ser contra a corrupção, contra os supostos “interesses” e contra os privilégios não pode ser um projeto político de um candidato, mas sim uma obrigação que deve enformar todo um programa político muito mais abrangente. O foco da discussão da reforma do sistema político nos Açores não está, de todo, na redução do número de deputados, mas sim na melhoria da representação popular e na qualidade do serviço público prestado. A capacidade de um candidato a presidente República não está assente no facto de ser contra as subvenções dos políticos ou se rejeita as subvenções inerentes ao seu cargo. Aliás, já não bastava ter o atual presidente da república a receber um ordenado de outra entidade que não aquela para o qual trabalha, como me choca ter um ex-presidente a trabalhar para outra entidade que não o meu país. A irracionalidade e a histeria vingativa, que o foco exclusivo numa discussão moral deste tipo impõe, descredibilizam a representatividade popular, enfraquecem a instituições e fecha o espaço para os verdadeiros reformadores do sistema político.