1 - Cavaco vai-se embora. Que vá em Paz. Por que boas memórias não deixa muitas, ao menos para as Autonomias. O despeito com que sempre tratou os regimes autonómicos foi óbvio. Cavaco deixa a memória de um Presidente que tratou as Regiões Autónomas como uma obrigação e um incómodo, não uma mais-valia para o País.
Nunca irei esquecer quando Cavaco parou Portugal para falar sobre as alterações que os marotos dos açorianos queriam fazer ao seu Estatuto Político-Administrativo, colocando em causa o princípio da separação de poderes, dizia ele. Portugal encolheu os ombros – das duas vezes – e questionou-se o porquê do alevanto de Cavaco. Aparentemente o reforço da Autonomia, para o Presidente que agora se despede – era “um revés” que afetaria “o normal funcionamento das instituições.” Cavaco considerava as pretensões dos Açorianos um absurdo. Levámo-lo de vencido no fim.
Por diversas vezes Cavaco quis manietar os Açores. Será, para nós, um Presidente de má memória. No entanto, creio que os Açorianos se irão lembrar mais de Cavaco pela afirmação de que as vacas, nos Açores, sorriem. O momento ridículo de Cavaco inspirou, desse modo, o slogan de uma marca de leite. Para os Açores, esse é o seu maior legado. Pouco mais que isso.
2 - Diz que Maria Luís Albuquerque é a nova administradora não executiva na Arrow Global, empresa britânica especializada na angariação e recuperação de dívida pública e privada e de análise de risco. Já é do conhecimento geral, tal tem sido o bulício dos últimos dias, que esta empresa está envolvida na avaliação dos ativos tóxicos do Banif, bem como na gerência de cerca de 5,5 mil milhões de euros, com clientes como o Millennium BCP, Montepio, Santander, Banco Popular, entre outros. Ora, de relembrar que esta é a mesma Maria Luís que assumiu as funções de governante com a pasta das Finanças no anterior Governo de Passos Coelho.
Assumir estas funções poderá eventualmente não ser incompatível com a função de deputada que mantém – a nível legal. Tal determinação caberá à subcomissão de ética da Assembleia da República, que se reunirá para o efeito. Contudo, será certamente incompatível com qualquer noção de moralidade – a informação privilegiada que a ex-Ministra detém seria motivo mais que suficiente para que a própria recusasse a oferta que lhe fizeram. Apesar de muito se falar nisso, não creio que seja a questão da remuneração o ponto fulcral. O que realmente releva é se Maria Luís, tendo desempenhado – até há cerca de três meses – as funções de Ministra das Finanças, o deveria fazer, a nível ético. É meu entendimento que não.
Diz a ex-Ministra que o objetivo da sua contratação para a Arrow é o de “ aportar valor à empresa sobre matérias de enquadramento macroeconómico e regulatório ao nível europeu, sobretudo da Europa continental”, enquanto o próprio CEO da Arrow salienta a experiência governativa de Albuquerque como contribuinte para a contratação. Maria Luís bem tenta, mas não tem conseguido arranjar uma justificação sólida que convença os portugueses que a sua contratação não está completamente tingida por uma gritante falta de ética profissional.
Ainda houve por parte do PSD quem tentasse arranjar uma tábua de salvação para a ex-Ministra, procurando no seu alvo preferencial, o PS, pseudo-exemplos que nem são comparáveis, nem originam justificação para a aceitação do novo cargo de Maria Luís. A tentativa cedo caiu no esquecimento, de tão fraquita que era. Ficamos, no entanto, muito interessados em acompanhar o percurso de Maria Luís e a forma como vai exercer o seu cargo na Arrow, enquanto continua a sentar-se nos bancos da Assembleia da República, como se fosse tudo muito normal.