Pronunciou-se recentemente o Tribunal Constitucional sobre o pedido de fiscalização subscrito pelo Presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, relativamente ao disposto no Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, diploma que desenvolve as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovado pela Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, através do Acórdão n.º 136/2016. Apesar de diversos votos de vencido, o TC decidiu pela não inconstitucionalidade do referido diploma. Mais uma vez insiste a tradição centralista em “colocar os Açorianos no seu lugar”, querendo, quem a defende, dar a entender “quem é que manda”.
No entanto, há luz ao fundo do túnel, que encontra eco nos vários votos de vencidos que também caracterizam o dito Acórdão. Sobressai claramente a posição do Juiz Conselheiro João Pedro Caupers, da qual tomo a liberdade de transcrever o excerto mais incisivo e esclarecedor (e que subscrevo na íntegra): “(…) afigura-se-me difícil de compreender que, estando em causa arquipélagos, conjuntos de ilhas, não se reconheça – que o Estado não reconheça – que o mar assume um significado e uma importância inultrapassáveis para os açorianos e os madeirenses, significado e importância que justificariam amplamente uma especial capacidade de intervenção nos assuntos a ele relativos por parte daquelas comunidades, ambas integrantes da comunidade nacional.
Parecem-me inadequadas e criticáveis posições híper defensivas de supostos interesses do Estado, resultado de uma atávica tradição centralizadora – que, por vezes, na ânsia de rejeitar a existência de um mar açoriano ou de um mar madeirense, até parecem esquecer que açorianos e madeirenses também são portugueses –, posições que assentam numa noção restrita de âmbito regional mas se batem por uma noção excessivamente lata de defesa nacional – com o objetivo, assumido ou escamoteado, de limitar as capacidades de intervenção dos órgãos regionais nos assuntos do mar (e noutros domínios relevantes para as regiões).”
Em dois parágrafos, João Caupers sumariza tudo o que tem sido a atuação da República face ao conceito de gestão partilhada do Mar (para já não falar de outros domínios que também convidam, muitas vezes, a um tipo de “centripetismo” de Lisboa). O cumprimento do Estatuto Político Administrativo da Região não merece intervalos para descanso e muito menos se pode reduzir a Constituição a mera palavra escrita em folha de papel. As tradições foram feitas, também, para evoluir e, se necessário, serem extintas. E esta “tradição” de sugar para Lisboa as competências que, pelos princípios instituídos na Lei Fundamental e no Estatuto, são, de forma bastante clara, atribuídas à Região, é daquelas que deve ser terminantemente obliterada.
A posição do juiz João Caupers, e as de todos os outros que fizeram com que a decisão do TC não tivesse a consistência que só, no mínimo, uma consensualização lhe poderia trazer, demonstra o que se tem passado e que pode vir a passar-se no futuro. Mais, faz relembrar que, aquando da finalização do processo de alargamento da plataforma continental, os Açores assumirão uma importância ainda maior, que merece, da parte da República, uma maior reflexão, para bem do cumprimento dos princípios constitucionais e estatutários.
Creio que, apesar deste revés, os Açores conseguirão alcançar o reconhecimento da necessidade e da utilidade do cumprimento dos direitos que lhe são atribuídos e da plena justiça dos mesmos. O princípio da gestão partilhada não existe por acaso. É parte integral da nossa Autonomia, essa que deve ser, por todos, reverenciada da forma mais plena – cumprindo-a, sempre.