I. Ser-se contrapoder ou ser-se contra o poder não é a mesma coisa. Ser-se contrapoder significa questionar, em qualquer circunstância, os poderes, quaisquer poderes, em nome do sadio equilíbrio democrático. Ser-se contra o poder, pelo contrário, significa ser-se contra o mais poderoso num contexto específico, em nome do direito próprio a ter poder.
Dito de outro modo, quando se é contrapoder, o fundamento está na possibilidade de haver abuso ou mau uso das capacidades e competências associadas ao exercício do poder. Já quando se é contra o poder, a razão de ser deve ser procurada na disputa do poder em causa a cada momento.
Talvez exemplificando se torne mais claro. O escândalo de Watergate, episódio que pôs termo à carreira política de Richard Nixon e que mostrou à América e ao mundo que o Presidente da maior Democracia do mundo também mente, foi despoletado e narrado jornalisticamente com base num posicionamento de contrapoder. A imprensa livre, a partir de uma fonte anónima, desmascarou uma operação ilegal de um partido, com a participação ativa do Presidente da República, e fê-lo contra o abuso de poder e em nome da soberania popular.
Se pensarmos, ao invés, no debate político-partidário puro, em que um determinado partido da oposição critica o partido do poder ou o Governo, estamos perante um posicionamento contra o poder, assente numa lógica de disputa pelo seu exercício. O que interessa é ganhar o poder, não questioná-lo; o objetivo é substituir-se no exercício do poder e não estabelecer um contrapeso fiscalizador.
II. Estes exemplos não significam, porém, que a comunicação social seja sempre contrapoder e os partidos sejam permanentemente contra o poder. E também não é verdade que esta distinção só envolva agentes políticos. A Amnistia Internacional, por exemplo, é uma organização não governamental para a área da Justiça e é contrapoder, mesmo não sendo um ator político em sentido estrito. Do mesmo modo, as associações de caráter profissional, setorial ou sindical, por exemplo, que por vezes são descritas como “parceiros sociais”, são, em determinados contextos, contra o poder, não sendo igualmente atores políticos em sentido estrito. E porquê? Talvez porque, mesmo não sendo atores políticos, disputam o poder. E talvez também porque, não figurando na estrutura institucional formal da Democracia, não deixam por isso de ter um funcionamento profundamente politizado. Senão vejamos.
III. Os seus órgãos diretivos são eleitos, muitas das vezes envolvendo processos polémicos e disputas internas acesas. Os mandatos correspondem ao período de execução de um programa eleitoral, baseado na assunção de compromissos e na definição de linhas orientadoras de ação. Os seus dirigentes são, pois, avaliados e julgados pelo exercício dos cargos e respondem perante o universo eleitoral. A perceção interna e pública da sua ação é, em boa medida, função do capital mediático angariado e, como sabemos, nos tempos que correm, a disputa pela atenção dos média é feroz.
Não restam muitas dúvidas de que tudo isto é política feita por civis. Neste enquadramento, disputar palco e poder passa a ser imperativo, em confronto com a esfera política. A questão é a de saber se enquanto contrapoder, se com o intuito de serem contra o poder?
A resposta, para ser rigorosa, não pode ser genérica, tem de atender ao momento e às circunstâncias, mas também às pessoas que, a cada altura, ocupam os lugares dirigentes dessas associações.
IV. Segundo a mitologia grega, Tântalo era o único mortal admitido à mesa dos deuses, mas não lhe bastava. Não queria ser um humano que privava com o divino, queria antes ser como um deus. Para isso, demonstrou total desapego à humanidade ao organizar um banquete para os deuses onde serviu carne do seu próprio filho, Pélops. Zeus castigou-o, marcando toda a sua descendência com o anátema da ambição desmesurada.