Na sociedade altamente mediatizada em que vivemos nem sempre se afigura fácil discernir a informação que se baseia em evidências cientificas de toda a outra. Tanto assim é que em 2016 a palavra do ano foi “pós-verdade”. Esta realidade preocupa a sociedade civil europeia que se tem mobilizado para combater esta tendência cujos efeitos a médio-longo prazo podem ser perigosos, desde logo, e como temos assistido, para o próprio planeta. A iniciativa “Evidence Matters”, que decorreu no Parlamento Europeu e de que fui um dos anfitriões, foi um evento que teve precisamente como objetivo afirmar, a partir de casos reais, a importância das evidências científicas para a construção de políticas públicas como as relacionadas com o ambiente, clima, oceanos, pescas e agricultura. A sessão, que foi coorganizada com a “Sense About Science”, uma organização sem fins lucrativos, juntou mais de 100 cidadãos europeus, eurodeputados, o Comissário Europeu da Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas. Frans Timmermans, Vice-Presidente da Comissão Europeia para a Legislar Melhor, Relações Interinstitucionais, Estado de Direito e Carta dos Direitos Fundamentais, também interveio na sessão.
Quinze cidadãos europeus apresentaram, em intervenções de um minuto, casos reais de valorização das evidências cientificas, para a definição de políticas públicas. Foram abordados diversos temas, que foram da inclusão digital, aos hábitos saudáveis de vida, apresentados por cidadãos europeus das mais diversas áreas, desde chefs, a uma autista, mãe de uma criança autista, que pretende que se promova com mais intensidade a evidência de que as vacinas não provocam autismo. A bióloga açoriana, Carla Coutinho, participou na iniciativa tendo chamado a atenção para a questão da observação de baleias e golfinhos. Defendeu que a regulamentação baseada em evidências [aplicada nos Açores] deveria ser seguida por toda a Europa. Afinal, muitas das baleias dos Açores também visitam outras costas europeias. Chamou ainda a atenção para o facto de estar iminente uma atualização na lei com base em novos estudos científicos, e afirmou que “queremos garantir que a observação de baleias e golfinhos seja uma atividade sustentável e que permita uma continuidade da monitorização”.
A iniciativa foi um sucesso, chegou ao Parlamento Europeu depois de em 2016 se ter realizado no Parlamento Inglês. Porém, a verdade é que transformar evidências científicas em boa governação é uma questão complexa e, muitas vezes, mal gerida. Não teremos êxito se trabalharmos apenas com cientistas e políticos. Precisamos do envolvimento de cidadãos bem informados e, hoje em dia, isso depende de uma verdadeira identificação das evidências, separando aquelas que são verdadeiras das que não passam de pós-verdades.
Refira-se, a este propósito, o recente anúncio de abandono dos Estados Unidos do acordo sobre as alterações climatéricas alcançado em 2015 em Paris. Eis como, em 2017, um novo presidente eleito de uma das nações mais poderosas de um planeta que precisa de ser salvo negou a evidência de quase um século, colocando a culpa numa conspiração chinesa que teria como objetivo enfraquecer o seu país. O facto é que Donald Trump está negando a evidência científica construída também pela reputada ciência do seu próprio país. Façamos das evidências a força de que precisamos para desenvolver as políticas que nos garantam um futuro sustentável.