Quem me conhece, sabe do desconforto que sinto em relação a viajar de avião. Não é um medo de sempre, mas a certa altura da minha vida tornou-se tão intenso e dominador ao ponto de definir e influenciar os rumos que segui (ou deixei de seguir). Nunca o considerei uma fraqueza ou muito menos um capricho. Aceitei e resignei-me à condição de não viajar, esperando que da mesma forma que o meu bloqueio tinha surgido, um dia acabasse por passar. Ninguém pode voar sem asas e eu tinha perdido as minhas. Enquanto não as encontrasse, não poderia voltar a fazê-lo.
A verdade é que aprendi a viver sem voar. Desisti da licenciatura em Direito, em Coimbra, quando estava no 4º ano do curso e regressei aos Açores de barco, onde ingressei numa nova licenciatura na Universidade dos Açores. Nos últimos anos, não saí da região e todas as minhas deslocações entre as ilhas foram feitas pelo mar. A experiência fez com que sentisse e percebesse ainda melhor a condição de ser insular. Esse modo particular de ser e de estar, em íntima relação com a vivência do espaço, que Nemésio soube tão bem caracterizar.
As últimas experiências que tenho vivido, pessoal e profissionalmente, levaram-me a uma mudança de postura. A necessidade de corresponder aos desafios e de assumir as responsabilidades, a vontade premente de seguir em diante fizeram-me perceber que embora os medos sejam difíceis de superar não podem servir de desculpa para não tentarmos.
Com o apoio imprescindível de muitos (e a necessária medicação), 16 anos depois, consegui voltar a entrar para um avião. E voei, literalmente! Não sinto que tenha superado totalmente a fobia, mas tenho dado passos muito importantes nesse sentido. Continuo a sentir a necessidade de controlar e perceber todos os aspetos relacionados com o voo: as condições meteorológicas, o estado das aeronaves, a experiência das tripulações, o cumprimento das regras de segurança pelos passageiros, os diferentes rumores do aparelho em voo…Enfim, conheço as estatísticas e reconheço a falta de racionalidade do meu comportamento, mas certamente que as pessoas com um problema semelhante compreenderão ao que me refiro.
A verdade é que esse estado permanente de alerta e de observância me levou a importantes constatações, agora que voltei a viajar. Nos últimos anos, no que se refere aos transportes aéreos e às acessibilidades evoluímos muito na região e no Pico, em particular.
Senão, vejamos. Enquanto estudei, nunca me foi possível sair diretamente da ilha para o continente. Hoje, isso é uma realidade. Deparei-me com uma frota da Sata completamente renovada, com as ligações a serem asseguradas pelos Bombardier Q400 NextGen e Bombardier Q200, aeronaves equipadas com a mais recente tecnologia aeronáutica. Tive oportunidade também de visitar a infraestrutura do Aeroporto do Pico e comprovar os investimentos que têm vindo a ser feitos pelo Governo Regional: o restabelecimento da faixa strip, a aquisição e instalação de equipamento para a estação meteorológica, a execução da correção da sinalização horizontal e repintura das marcações existentes, a implementação do sistema de "ILS", o sistema de grooving. A acrescer a tudo isto, o recente estudo encomendado pelo Presidente do Governo dos Açores sobre a ampliação da pista do Aeroporto do Pico.
Para além disso, quando já é conhecida a programação da estação Verão IATA, até 31 de maio de 2019, assistimos a um reforço das ligações aéreas com a ilha do Pico, com 22 ligações por semana, número que constitui um novo recorde.
Tudo isto reivindicámos e conquistámos de pleno direito, à custa do investimento e crescimento económico da ilha, não fosse o Pico, segundo os dados, uma das ilhas mais empreendedoras da região e onde é menor o peso da função pública na população ativa. As respostas do Governo Regional têm reconhecido esse facto e vindo ao encontro de soluções de equilíbrio e de complementaridade na lógica do desenvolvimento de uma política de coesão regional.
É certo que ambicionamos sempre mais e continuaremos a reivindicar sempre que houver legitimidade e fundamento para tal. Mas tão importante como reclamar o que não temos é não esquecer o que não tínhamos e entretanto conquistámos. É não esquecer, também, que apesar das dificuldades financeiras e de operacionalidade, a Sata é a nossa companhia e tem na sua raiz identitária essa profundidade da alma açoriana, tendo assumido o compromisso de combater o isolamento do arquipélago. Se hoje viajamos com confiança, com segurança e com a ambição de querer sempre mais é porque as condições para isso foram criadas.
Da minha parte, são esses os sentimentos que tentarei levar em cada viagem. Porque agora que recuperei as minhas asas, não faço tenção de voltar a perdê-las!