Opinião

DIRE(I)TO À POLÍTICA - Coincidências autonómicas

Esta segunda-feira, ao mesmo tempo que o Presidente do Governo de Espanha terminava uma visita à Direcção-Geral de Polícia da Catalunha, onde destacou a"importância daquela instituição para assegurar uma convivência que está posta em causa", e, simultaneamente, se recusava reunir com o presidente da Generalitat, no palácio de São Bento, em Lisboa, decorria uma reunião entre o Primeiro-Ministro, o Presidente do Governo Regional, o Vice-Presidente e os Ministros da Economia e do Planeamento, onde foi discutida a solução financeira para a reconstrução das infraestruturas danificadas pelo furacão Lorenzo. Obviamente que as razões subjacentes a cada um dos factos, são mais contextuais do que estruturais, no entanto, estes refletem, simbolicamente,as finalidades politicas da criação das Autonomias Regionais em ambos os países. Atente-se que, enquanto a Constituição refere que o "Estado é unitário e respeita o regime autonómico ", que visa "a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses", a Constituição espanhola, omissa quanto aos fins das Comunidades Autónomas, adjetiva de"indissolúvel[a] unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis",o que,tendo em consideração o artigo 155.º que prevê que o Governo possa dar instruções às autoridades das Comunidades caso estas atentem gravemente contra o interesse geral de Espanha, torna clarividente que a finalidade política, sublinhe-se, legítima, da criação de Comunidades Autónomas foi conter impulsos independentista. Em Portugal,as Regiões Autónomas visaram primacialmente assegurar um maior desenvolvimento e capacitação dos arquipélagos, ideia que está patente na frase de Vasco Cordeiro:"Pensem(...), aquilo que seria, quer na fase de preparação para enfrentar o furacão, quer agora na fase de resolver os problemas (...), se nós, açorianos, não tivéssemos a autonomia e órgãos de governo próprio". No entanto, o plano estrutural/normativo é condicionado pelo plano contextual/politico, ou seja,a mera existência de normas que afirmam a solidariedade entre todos os portugueses ou a indissolúvel unidade da Nação espanhola não é suscetível de conformar a realidade se não houver uma aceitação politica destes princípios. O caso catalão demonstra a impossibilidade de uma solução jurídica para um conflito politico, cuja superação passa, eventualmente, pela celebração de um acordo, à margem da Constituição, semelhante ao Acordo de Edimburgo entre a Escócia e o Reino Unido, que permitiu um referendo em que 55,30% dos Escoceses manifestaram a intenção de se manter no Reino Unido, o que mostra que o referendo não implica necessariamente a independência e que a sua rejeição é ainda autodeterminação. Também a decisão do Governo da República em assumir 85% dos 330 milhões de euros de prejuízos resultantes do furacão, no cumprimento do princípio constitucional da solidariedade,ilustra a importância da vontade política na aplicação dos princípios constitucionais, pois importa recordar que aquando das intempéries de 2013 que provocaram graves estragos na Região, nomeadamente no Porto Judeu, perante a mesma lei, o Governo do PSD/CDS, mandou a Região financiar-se junto da Banca para cobrir os prejuízos. Este último exemplo demonstra que a Autonomia Regional, sendo uma construção jurídica, é permeável à vontade política, não sendo, por isso, irrelevante para os Açores quem se senta,do outro lado da mesa, em São Bento, pois "os laços de solidariedade entre todos os portugueses", significaram nada para Passos Coelho e 280 milhões de euros para António Costa. É grande a diferença e deve ser grande a vergonha.